12 de out. de 2012

Não vale quebrar a casca


Está sobrando laranja no Brasil, é o que se anda dizendo. A indústria de sucos investiu na própria plantação e os laranjeiros estão derrubando seus pomares por falta de comprador. Além disso, o consumo de suco diminui, enquanto o de refrigerante cresce.
Mas, se ainda não perdemos totalmente a brejeirice do suco de laranja espremido na hora, é uma pena que chegamos ao ponto em que saber descascar laranjas é tão sinalizador de idade quanto dizer “putzgrila”. O hábito de se sentar à sombra depois do almoço com uma bacia cheia de laranjas no colo e uma faca na mão ficou para trás.
Na faquinha. Comece pelo lado mais frágil e deixe uma ‘calota’ ao redor do pedúnculo. 
Descascar laranja exige técnica para a qual não há mais treino num mundo em que criança não pode mexer com faca e laranja já chega espremida. Mas na época em que formava fila para a bacia da fruta, ninguém queria esperar a mãe descascar a laranja de todo mundo, então a gente nascia sabendo.
Quando o movimento vira automático, parece a tarefa mais fácil do mundo. É preciso começar do lado mais frágil, oposto ao pedúnculo, ir contornando o epicarpo com a faca e, ao mesmo tempo, regular a força para atingir a exata profundidade que permite a retirada da fina camada colorida e repleta de glândulas de óleo essencial, sem machucar o albedo ou mesocarpo. Precisa empurrar para a frente a parte a ser descascada com o polegar e ajudar a rodar a laranja com a outra mão. Tudo isso, sabendo a hora de parar, pois é bom deixar uma roda de casca ao redor do pedúnculo, para dar sustentação na hora de espremer a fruta na boca. Um bom descascador destaca toda a casca numa tira só, para depois fazer a brincadeira de segurar na ponta da casca e rodá-la contando as voltas até ela se partir na idade em que você vai se casar ou ter filho.
Depois é só cortar a tampinha da laranja. Até pouco tempo atrás eu não sabia porque se tirava a calota da laranja, em vez de dividi-la em hemisférios. Mas meu pai deu uma explicação de caboclo que sabe das coisas. É no meio da fruta que ficam as sementes, portanto a parte de cima estará livre delas que continuarão aprisionadas entre as fibras quando você espremer a laranja para chupar.
Claro, há muita gente que ainda chupa laranja assim, mas que está em desuso, está.
Ainda tem a entrecasca ou o albedo, que não é casca nem polpa, mas é comestível. É pra se comer bem devagarinho, mastigando bem até formar uma massa de pectina na boca. A da laranja-baía e da lima é molinha, desmancha facilmente, mas a da pera e da lima-da-pérsia exige exercício de musculação mandibular. Uma coisa é certa: fibras solúveis do albedo mais fibras insolúveis do bagaço são um santo regulador do intestino. Uma laranja inteirinha por dia e não haveria tanta gente enfezada por aí.
Outros sucos. Se chupar laranja tem ciência, pede tempo e não combina com o comer contemporâneo, então, vamos preservar o luxo do suco espremido na hora e aperfeiçoar a diversidade. Por que só suco de laranja-pera, se há tantas outras? As doces baías, ácidas seletas, limas-de-bebê, laranjas-do-céu, campistas rurais, a amargura delicada da lima-da-pérsia e a rainha de nome e cor champanhe, mistura de baía e tangerina, só para ficar nas mais conhecidas.
E como laranjas, de origem asiática, estão entre as espécies frutíferas mais cultivadas no mundo, ideias de uso não faltam. Mesmo que não recuperemos o hábito de chupá-las, que as botemos na mesa. Façamos como os marroquinos e, que seja, comamos com garfo estas duas saladas clássicas, uma salgada, com azeitonas, e outra doce, com água de flor de laranjeira e canela. Experimente e se surpreenda.
Neide Rigo

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