A recente Operação Porto Seguro, deflagrada pela Polícia Federal, reclama do mundo político maior cuidado na nomeação para os cargos de confiança.
Há o encadeamento nos atos de corrupção: o indicado por alguém em situação elevada se sente portador do prestígio de quem o apadrinhou. Nomeado, passa a indicar outros, para posições em que pode influir.
Foi dessa forma, ao que revelam as informações, que agiu a senhora Rosemary Nóvoa de Noronha, escudada na circunstância de haver sido secretária de Lula e ocupar a chefia do gabinete da Presidência em São Paulo. Pediu e obteve a nomeação de seus dois irmãos, do marido e da filha para cargos importantes em duas agências reguladoras e na Infraero.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado no caso do advogado geral da União, que ignorou o currículo de José Weber Holanda Alves e o fez seu segundo. Pouco importa se os nomeados sejam estranhos ao serviço público ou funcionários de carreira. Os cargos de chefia — como os de diretores das agências reguladoras e de adjuntos do advogado geral da União —, bem como os de assessoria direta dos que tomam decisões só podem ser preenchidos por pessoas que atendam aos requisitos de comprovada idoneidade moral e de confirmada competência técnica.
É de se esperar que o irmão de Rosemary, que ocupa a diretoria de hidrologia da ANA, saiba mais de água do que a conhecida fórmula de H20, mas seria interessante descobrir onde estudou hidrologia, engenharia hidráulica, ou que experiência tem do assunto, por ter trabalhado no ramo. E o que ocupa uma das diretorias da Anac saiba mais de aviação do que escolher, pela internet, o voo conveniente. O mesmo se espera do amparado cônjuge de Rosemary, que ajuda a administrar os aeroportos brasileiros.
A lisura no serviço público não é só uma exigência da ética elementar. É uma necessidade política do Estado. A probidade nas decisões de governo é a mais poderosa forma de eficiência. Os empresários honrados que negociam com o governo são muitas vezes compelidos a curvar-se à concussão, pelo simples fato de que os seus concorrentes o fazem. Foi o que confessou Antonio Ermírio de Moraes, quando o seu nome surgiu como tendo sido achacado por Paulo César Farias, o hábil arrecadador de recursos de há 20 anos. Quando o dono da Delta é gravado, em conversa com Carlos Cachoeira, explicando que compra políticos com milhões de reais, seus concorrentes entram no esquema, ou mudam de negócio.
A propósito, é de se lembrar a desculpa de PC Farias, ao ser ouvido pela CPMI que o investigava, a de que seu comportamento fazia parte da cultura brasileira. A corrupção é um crime universal e de todos os tempos, mas não se trata de cultura de qualquer povo em especial. Os escândalos frequentes nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França e na Espanha não podem ser debitados a uma cultura europeia que nos deu alguns dos maiores pensadores e poetas da História — como Cervantes e Shakespeare; Diderot e Emerson.
As falcatruas podem fazer parte da cultura de uma ínfima minoria de brasileiros, como de uma ínfima minoria de espanhóis, mas não da cultura nacional da Espanha, nem do Brasil. Os brasileiros que se levantam pela manhã e trabalham honradamente o dia inteiro são mais de noventa e nove por cento da população — disso não há dúvida.
A corrupção é a mais danosa das formas criminais, porque ela, além de subtrair recursos públicos, que devem ser usados para o benefício comum, contribui para o descrédito das instituições políticas e compromete a reputação nacional no exterior. Trata-se de um crime de traição ao país e ao seu povo.
É tempo de a cidadania mobilizar-se, não contra esse ou aquele partido, contra essa ou aquela doutrina ou ideologia política, mas no esforço de escoimar, do serviço público, os que não o exercem com dedicação e lisura. A administração federal e dos estados se faz com a imensa maioria de pessoas honradas e dedicadas. Tal como na sociedade nacional, de que são parcela, os corruptíveis são ínfima minoria no serviço público, que pode ser facilmente identificada e descartada.
Há que se registrar, no entanto, que nem todos os corruptos e corruptores são incompetentes: o governo que sucedeu ao de Itamar Franco, em tudo e por tudo sua antítese, notabilizou-se pelos títulos acadêmicos de seus pró-homens — e pelos escândalos, até agora sepultados nas gavetas da Procuradoria Geral da República. Um só desses escândalos, o do Banestado, custou ao país, segundo as estimativas da imprensa, mais de 30 bilhões de dólares, transferidos aos paraísos fiscais. Seria bom que fossem exumados, mesmo que os culpados possam estar imunes ao castigo penal, pela prescrição. A nação tem o direito de saber quem é quem e de tentar reaver os dinheiros desviados.
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