Não conheço uma só pessoa que tenha sido convencida a adotar uma vida mais saudável graças a mensagens impositivas e moralistas do tipo: “Faça isso, não faça aquilo”; “Seja assim, não seja assado”. O tom adotado para propagar grande parte dos conselhos de saúde é inadequado e ineficaz. Em vez de promover mudança, cria rejeição.
Está certo quem diz que os maus hábitos de hoje vão roubar qualidade e anos de vida no futuro, mas esse discurso não faz o sedentário sair do sofá nem o glutão parar no primeiro hambúrguer.
A mudança só acontece se a pessoa tomar consciência genuína dos riscos que corre ou se tiver alguma outra grande motivação. Um susto provocado por uma doença grave, um comentário marcante feito por uma pessoa querida, o desconforto cotidiano provocado por um hábito que se tornou estorvo.
A transformação nasce de um processo individual, silencioso e, muitas vezes, sem explicação fácil. Pergunte a um ex-fumante ou a um ex-gordinho por que ele resolveu mudar de vida e, possivelmente, ouvirá algo assim: “De repente, caiu a ficha”.
Caiu a ficha de que ele gostaria de viver bem hoje, agora mesmo. O futuro, essa coisa intangível, complica a equação. Dizer para uma pessoa “se economizar” para ter um futuro melhor é, quase sempre, pregar no deserto.
Incomodado com essa constatação, um professor da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, resolveu criar uma forma de demonstrar o impacto dos maus hábitos sobre a vida diária. Em vez de falar sobre o futuro, fala sobre o presente.
David Spiegelhalter é bioestatístico. Ele reuniu os estudos populacionais mais confiáveis sobre o impacto dos hábitos diários sobre a expectativa de vida. Fumar encurta a vida em quantos anos? E estar acima do peso? E beber? E ser sedentário?
A partir desses dados, o professor estimou o impacto dos danos sobre cada dia de vida. O trabalho foi publicado nesta semana no British Medical Journal. Os cálculos se basearam nas escolhas de homens e mulheres de 35 anos que continuassem com os mesmos hábitos ao longo do resto da vida.
Para expressar os resultados, ele criou uma unidade, chamada de microvida. Cada microvida indica a perda ou ganho de 30 minutos diários de vida. Alguns exemplos:
Perda de vida diária
• Estar cinco quilos acima do peso: menos 30 minutos
• Fumar dois cigarros por dia: menos 30 minutos
• Beber três doses de bebida alcoólica: menos 30 minutos
• Comer carne vermelha todos os dias: menos 30 minutos
• Passar duas horas diárias no sofá: menos 30 minutos
Ganho diário de vida
• Fazer pelo menos 20 minutos de atividade física diariamente: ganho de 60 minutos
• Comer frutas frescas e vegetais diariamente: ganho de 120 minutos
• Beber duas ou três xícaras de café por dia: ganho de 30 minutos
• Controlar o colesterol com remédios, quando isso é necessário: ganho de 30 minutos
O professor também usou a unidade microvida para expressar o resultado de determinados dados demográficos sobre as condições de saúde. Na comparação com os homens, as mulheres têm uma vantagem de 120 minutos diários de vida. Um homem que nasce e vive na Suécia tem uma vantagem de 630 horas diárias em relação a um russo. Viver em 2010 representa um ganho de 450 horas diárias em relação às condições sanitárias, sociais e econômicas de 1910.
O conceito de microvida exige alguma abstração. OK, os dias têm apenas 24 horas, mas pensar na velocidade do envelhecimento como Spiegelhalter propõe é estimulante. Fica mais fácil entender que quanto mais uma pessoa acumula maus hábitos, mais rapidamente ela “queima” seu estoque de horas de vida a cada dia que passa.
“Quem fuma 20 cigarros diariamente corre em direção à morte 29 horas por dia, em vez de 24”, diz Spiegelhalter.
A nova ferramenta é interessante, mas têm limitações. Os cálculos são baseados em hábitos adotados ao longo de uma vida inteira. Não é possível usá-los para apontar, por exemplo, os malefícios de poucos cigarros tragados em um momento específico da vida.
Além disso, as perdas e ganhos de vida são médias calculadas de acordo com os dados obtidos em estudos populacionais. Esses dados ignoram a variabilidade existente entre as pessoas e a forma como o organismo de cada um reage a estímulos benéficos ou maléficos.
Bons hábitos prolongam a vida. Ajudam a viver mais e melhor. As boas escolhas ajudam a explicar porque alguns idosos chegam saudáveis e bem dispostos aos 80 anos, enquanto a maioria envelhece mal. O estilo de vida saudável, no entanto, não é suficiente para explicar a existência de superidosos como o arquiteto Oscar Niemeyer, morto recentemente aos 104 anos.
Só uma genética rara e caprichosa é capaz de fazer alguém chegar a essa idade, apesar de ter fumado, bebido e comido muita carne vermelha ao longo de toda a vida.
Como ninguém sabe se terá a sorte de ser um Niemeyer, só nos resta assumir que o presente e o futuro decorrem de nossas escolhas. Neste Natal e em 2013, cuide-se bem. Um pouquinho por dia, com convicção e prazer.
Cristiane Segatto
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