15 de out. de 2013

Lamento por Eike

Não conheço Eike Batista. Nunca fomos apresentados, jamais o vi pessoalmente. Também não entendo de negócios. 

Leio e releio a história de sua ascensão e a exaustiva análise de seus erros, que levaram à queda de seu império econômico. Não conheço a Bolsa, ou esse mundo de projetos de infraestrutura, mineração, portanto compreendo apenas em certa medida.

Mas tenho a maior simpatia por Eike. Estou contra a maré, mas minha vida é assim. Nasci do contra. Agora, o inteligente é falar mal dele. Apontar, com frases inteligentes, os motivos de sua despencada. Dizer que pega mal para a imagem do país. Malhar Eike pega bem, porque, se há algo que o ser humano aprecia, é assistir à derrocada alheia.

Eike, porém, tem uma cabeça rara, raríssima, no meio empresarial brasileiro. Pensa grandioso. Durante seu auge, entrou num projeto para despoluir a Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. Ofereceu dinheiro próprio. Na reconstrução do Hotel Glória, quis também recuperar a marina e, pelo que sei, pretendia revitalizar todo o bairro do Flamengo, com mais hotéis, uma passarela Subterrânea, passeios de barco. Lucraria com isso? Sim. Mas o Rio ficaria mais bonito que já é. A maioria esmagadora dos empresários brasileiros pensa apenas em seu próprio negócio.

Foram-se os tempos de Assis Chateaubriand, que construiu o Masp, em São Paulo, à base de doações, praticamente extorquidas dos milionários. Graças a ele, temos um acervo artístico inestimável. A maior parte dos ricos realmente ricos que já conheci é capaz de gastar uma fortuna numa festa de batizado ou casamento, mas jamais doará uma obra a um museu. Lembro perfeitamente, há muitos anos, quando o quadro Abaporu, de Tarsila do Amaral, uma das principais obras da arte nacional, foi posto à venda pela Galeria São Paulo, já fechada. A proposta era que fosse comprado por um banco ou grande empresa, doado a uma instituição, com o uso de mecanismos legais para desconto do valor no Imposto de Renda. Não houve interessado. O valor pedido, lembro com quase certeza, era ridículo pela importância da obra: US$ 250 mil. Foi parar nas mãos de um argentino, é avaliado em US$ 10 milhões e não volta mais para cá. 

A primeira vez em que estive no Metropolitan Museum, em Nova York, espantei-me com o número de doações de quadros e esculturas espantosamente valiosos. É comum, para um milionário americano, doar para uma universidade em que estudou, ou até mesmo retirar as pinturas de suas paredes para enviá-las a um museu. O vitorioso devolve à sociedade parte daquilo que conquistou. Que eu me lembre, aqui, quem realmente fez isso, mais recentemente, foi o empresário e bibliófilo José Mindlin (1914-2010). Ele doou à Universidade de São Paulo sua maravilhosa biblioteca, com livros raros conquistados ao longo de toda a sua vida. 

Existem, sim, projetos culturais de grandes empresas, no Brasil. Mas costumam ser vinculados a um ganho imediato de imagem. Transformam-se em peças publicitárias, disfarçadas com o rótulo de cultura. São teatros que adquirem o nome de patrocinadores, ou a própria empresa monta um instituto cultural. Ela ainda usa benefícios fiscais para fazer propaganda de si própria! Mas quem, realmente quem, ofereceu ultimamente uma estátua, uma obra de arte inestimável, a recuperação de um bem arquitetônico, visando unicamente ao bem público?

Não que seja fácil doar. Humildemente, já passei pela experiência. Compro sempre muitos livros e, periodicamente, doo uma boa quantidade. Já tentei, há anos, oferecê-los a bibliotecas públicas de São Paulo. Recebi um não. 

O motivo: – Não há gente para catalogar.

Imagino a dificuldade para um grande empresário, com todas as questões envolvendo impostos e tudo mais.

Eike teve, na questão cultural, uma cabeça diferente. Não estava de olho na propaganda imediata. Sei de gente que passou anos pedindo financiamento para filmes, entrando em leis etc. E, depois de uma conversa de duas horas com ele, mostrando o projeto, os produtores saíram com o dinheiro para a produção.

Agora, até criticam Eike por ser supersticioso e pôr X no nome de todas as suas empresas. Bem, Eike, te desejo sorte. Essa cabeça tão rara talvez influencie seus pares. Está mais que na hora de os milionários brasileiros deixarem de se orgulhar de seus jatinhos, festas ou compras em Paris e retribuírem suas conquistas pensando maior, de olho no bem público.

Walcyr Carrasco

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