Medicamento melhora sintomas de pacientes graves que até agora se mostravam resistentes aos antidepressivos conhecidos e marca o início de uma grande mudança na luta contra a doença
Uma em cada cinco pessoas que você conhece experimentará algum grau de depressão ao longo da vida.
Desse contingente, pelo menos 20% serão resistentes aos tratamentos convencionais e precisarão associar diversos recursos da medicina, como outros remédios, a estimulação magnética transcraniana, a eletroconvulsoterapia (choques) e a terapia cognitivo-comportamental, para conseguir alguma melhora dos sintomas.
Na semana passada, esse grupo recebeu uma excelente notícia.
No maior trabalho feito até agora com a lanicemina, substância que atua por canais inexplorados pelos antidepressivos existentes, os pesquisadores conseguiram aliviar com sucesso os sintomas de pacientes com depressão severa e difícil de tratar. E o que é melhor: sem as reações adversas intensas observadas em drogas do mesmo gênero testadas anteriormente. O trabalho foi publicado pela revista “Molecular Psychiatry”, do grupo Nature, e está sendo elogiado pela comunidade científica.
“Essa nova substância representa o início de uma nova era no tratamento do transtorno depressivo”, pontua o psiquiatra Ricardo Alberto Moreno, coordenador do Programa de Doenças Afetivas do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, a maioria dos antidepressivos disponíveis age sobre os neurotransmissores serotonina, noradrenalina e dopamina, associados com a regulação do humor, da percepção e das emoções. Ao elevar sua disponibilidade no organismo, os remédios promovem uma série de eventos dentro das células nervosas que levam à melhora dos sintomas físicos, psicológicos e comportamentais da depressão.
O alvo da lanicemina é o glutamato, neurotransmissor que atua na comunicação entre as células nervosas por caminhos diferentes daqueles utilizados pela serotonina, por exemplo. As investigações sobre as origens da doença, cujas causas e mecanismos não estão completamente elucidados, indicam que o glutamato e seus receptores (as fechaduras químicas por onde penetra nas células) podem ser peças-chave na solução de casos refratários e para acelerar as respostas dos pacientes. Presente em excesso, o neurotransmissor deflagra uma ação tóxica capaz de interditar a comunicação entre as células neuronais.
A aposta dos pesquisadores é bloquear as vias acionadas pela quantidade exagerada de glutamato e, desse modo, impedir seus efeitos. A lanicemina atua exatamente aí, inibindo um grupo de receptores chamados NMDA. Outras seis substâncias com impacto sobre o glutamato estão em estudo.
Antes, porém, que a lanicemina possa ser indicada pelos médicos, muitos desafios precisam ser solucionados. “Parece que ela leva duas semanas para atingir seu ponto máximo de ação. Precisamos de medicamentos com impacto mais rápido, em horas ou dias, como a cetamina”, diz o o psiquiatra Moreno.
A cetamina (também grafada como ketamina e quetamina) é um potente anestésico usado em pequenas cirurgias que, em doses menores, também age sobre receptores do glutamato e produz efeitos poderosos em pacientes graves num período que pode ser de 110 minutos após a injeção do remédio. Um dos seus problemas, porém, é que pode produzir complexas reações adversas assim que é ministrada, como alterações de percepção que levam à perda da noção de formas e sons, do espaço e da realidade. Além disso, sua atividade no organismo não se sustenta por mais de duas semanas.
“A vantagem da lanicemina é não produzir esses efeitos intensos sobre a percepção nem alterações de pressão arterial”, disse à Istoé Gerard Sanacora, diretor do programa de pesquisa em depressão da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, e principal autor do estudo sobre o medicamento. A desvantagem é que a lanicemina demora como os remédios tradicionais para agir em vez de mostrar benefícios rápidos como a cetamina. No entanto, ela mostrou eficiência em bem menos tempo em um estudo inicial com 34 pacientes que nunca haviam tomado outros remédios. Isso está levando os pesquisadores a especular que a demora pode estar relacionada ao uso prévio de outras drogas.
A próxima etapa da pesquisa será replicar as descobertas em centros de pesquisa espalhados pelo mundo. “Isso pode levar entre cinco e dez anos”, esclarece o cientista Júlio Licínio, editor da publicação que divulgou o estudo e membro do South Australian Health and Medical Research Institute, na Austrália.
Calebe Simões
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