23 de dez. de 2013

Por que Papai Noel ainda fascina

No dia 25 de outubro, dois meses antes do Natal, o capixaba Ryan Lucas Teixeira da Silva, 9 anos, colocou seus brinquedos de lado, se sentou em uma mesa, pegou papel e caneta azul e começou a escrever uma carta para o Papai Noel.

“Minha família é maravilhosa e me dá tudo o que eu preciso, por isso quero que o senhor entregue meu presente a uma criança que precise mais do que eu”, pediu. No final da mensagem, se despediu desejando feliz Natal ao destinatário, aos seus ajudantes e a todas as crianças do mundo.

Nessa época, a fantasia do Papai Noel povoa o imaginário infantil. Prova disso é que os Correios estimam receber, só neste ano, cerca de um milhão de cartas de todo o País endereçadas a ele. Imagens do velhinho simpático vestido de vermelho estão por todos os lados. Enquanto isso, a maioria das crianças ouve dos adultos que ele será o responsável por trazer os presentes na noite de Natal. Chegará solenemente num trenó, conduzido por elegantes renas, entrará nas casas de todo o mundo, numa mesma madrugada, depositando os sonhos infantis sob as árvores iluminadas.
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Mas, diante de uma geração tão familiarizada com as novas tecnologias e que parece saltar a etapa da infância dedicada à fantasia, uma dúvida dos pais é recorrente: ainda faz sentido incentivar o mito do Papai Noel?


Para os especialistas, a resposta é sim. Até os 7 anos, as crianças vivem o período do desenvolvimento cognitivo, em que seu entendimento do mundo acontece por meio do imaginário, do fantástico. Reproduzir a história do Papai Noel, um personagem caloroso e solidário, seria uma maneira de estimular a criatividade e inserir no universo infantil valores como a benevolência e a preocupação com o bem-estar do outro – ensinamentos que o pequeno Ryan parece ter assimilado muito bem. “Não se pode ficar preso à questão concreta, do presente. 

O bacana de ter a figura do Bom Velhinho é passar a ideia de generosidade, pois a criança leva esse conceito para outras épocas do ano”, afirma Ivete Gattás, coordenadora da Unidade de Psiquiatria da Infância e Adolescência da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Abusar da sinceridade e dizer que o Papai Noel não existe pode quebrar esse encantamento, segundo a psicopedagoga Teresa Messeder Andion, diretora da Associação Brasileira de Psicopedagogia. “A criança ouve a história na escola, escuta os amiguinhos falando e vê imagens de Natal espalhadas; portanto, é natural assimilar a fantasia. Então, se em casa a família diz que é mentira, ela vai viver em contradição”, diz.

A melhor escolha dos pais, segundo os educadores, é deixar o filho fazer suas descobertas naturalmente. “Caso ele pergunte se Papai Noel existe, a saída é ouvi-lo, tentar saber o que ele entende do Natal e responder à pergunta questionando se ele acredita”, afirma a psicopedagoga Teresa. A analista de tecnologia da informação Gleise Segatto de Oliveira Teixeira, 32 anos, deixou que a filha Iara, de 6 anos, tomasse sua própria decisão. Apesar de não incentivar o mito, ouviu-a perguntar ao pai, o também analista Jeyson Teixeira, 44 anos, se ele acreditava no personagem.

“Ele disse que não, mas que há pessoas que acreditam. E ela optou por crer na história mais por influência da comunidade”, diz Gleise, que não monta árvore nem dá presentes para a filha no Natal. A aeroviária Monica Seminara, 43 anos, preferiu dar outra resposta quando ouviu a pergunta do filho Gabriel, 10 anos. “Eu disse que acreditava. Queria que ele continuasse acreditando também. Mas, sozinho, foi descobrindo que não passava de uma lenda.” A outra filha, Isabel, 7 anos, ainda espera a visita do Papai Noel. “Converso com a Isa sobre como ele atende os sonhos das crianças. É uma lição de esperança, uma história bonita.”
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Normalmente, os questionamentos começam a surgir na idade de Iara, aos 6 anos. “Acontece uma virada na capacidade da criança e ela passa a ficar mais atenta ao mundo real do que ao imaginário. Não por acaso é a idade que ela entra na escola”, afirma Ivete, da Unifesp. “É quando começam a fazer as associações e por si só passam a questionar.” A fase da infância em que é mais provável acreditar e se divertir com o Papai Noel é entre os 4 e os 7 anos de idade, afirma a psicopedagoga Teresa. “Até os 3 anos, a criança estranha mais ao ver uma pessoa fantasiada.”

Com um filho de 4 anos em casa, a projetista Alessandra Barth, 37 anos, incentiva a brincadeira. “Deixo o Edgar imaginar, sonhar. Gosto disso”, diz a mãe, que o ajuda a escrever as cartas. Já a filha da professora Itália Nicolai, 48 anos, Mirella, 8, entrou na etapa da dúvida. “No ano passado, meu primo se fantasiou e não tirou o tênis. Ela percebeu que era ele por causa do calçado”, diz. O mais velho, Erick, 10 anos, já não acredita mais. “Ele descobriu pelos amigos e nos perguntou. Vimos que não tinha mais jeito e contamos a verdade. Foi tranquilo.” A mãe só pediu a Erick que não revelasse a verdade à irmã. “Quero que ela acredite até quando for possível.” Mas, na hora em que se der conta, o melhor é não insistir. Caso contrário, os pais correm o risco de o filho fingir crer na lenda somente para agradá-los.
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Outro erro tão comum quanto grave: associar o Papai Noel unicamente ao consumo. Claro que a criança vai relacionar a noite de Natal aos presentes, mas a reunião familiar, a história por trás do mito e o sentido da comemoração do nascimento de Jesus, caso a família seja religiosa, precisam ser lembrados. “Nesse momento, a convivência é o mais importante. Não se pode deixar levar apenas pela questão material”, afirma a pediatra Evelyn Eisenstein, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Outro problema é usar a figura como um sistema de recompensa. “É muito melhor os pais dizerem que o que filho fez não foi legal do que afirmar que o Papai Noel não vai lhe trazer presentes. Eles saem do papel de educadores e passam a função ao personagem. É um desserviço à educação da criança”, diz Ivete, da Unifesp.

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Uma questão dos dias de hoje é que, com a geração atual, superconectada a tablets, smartphones e computadores, manter um mito como o do Papai Noel fica mais difícil. “Elas têm mais acesso à informação e o desenvolvimento neurológico é mais precoce”, afirma o pediatra Marcelo Reibscheid. Segundo Tatiana Jereissati, coordenadora de pesquisas do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic), a internet tem forte presença no cotidiano infantil. Andréa Jotta, psicóloga do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), afirma que, por conta disso, as novas gerações não estão acostumadas com uma única resposta às suas dúvidas, pois sabem que podem chegar facilmente a diferentes explicações.

“Se tiver curiosidade e estiver na idade de pré-alfabetização, consegue acessar essas informações sozinha”, diz. O interessante, então, é não acabar com a fantasia, mas tentar negociar. Mostrar que o Papai Noel pode não existir, mas é símbolo do Natal, que há lendas a seu respeito fazendo parte de uma cultura. Para Evelyn, da Uerj, a figura do Papai Noel pode ser ainda mais importante no momento atual. “As crianças muito conectadas não sabem mais lidar com os sentimentos, pois a vivência se volta para o virtual”, afirma ela, que é autora do livro “Geração Digital: Riscos das Novas Tecnologias para Crianças e Adolescentes”. “Por isso, é ainda mais interessante inserir os mitos, pois o que envolve a brincadeira, como alguém da família se vestir de Papai Noel, pode trazer o ‘sentir’ de volta.”

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As tradições envolvendo a visita do Papai Noel na noite de Natal são relativamente recentes (leia na pág. 62). Segundo o historiador Gerry Bowler, professor de história do Natal na Universidade de Manitoba, no Canadá, a maioria das lendas sobre o personagem surgiu no fim do século XIX. “Era uma época em que a criação dos filhos estava se tornando menos dura e mais sentimental. Também era o momento da Revolução Industrial, quando cresceu a produção de mercadorias e os preços diminuíram. Papai Noel permitiu aos pais serem generosos com as crianças uma vez no ano e as vendas aumentaram durante essa época”, afirma Bowler.

A origem do mito, porém, é bem mais antiga e está ligada à Igreja Católica. A história começa com São Nicolau, bispo de Mira, na Turquia, entre os séculos III e IV, conhecido por presentear crianças com roupas e alimentos. “São Nicolau dedicou sua vida para ajudar os outros. Ele evangelizava com gestos, algo muito parecido com o que o papa Francisco faz atualmente”, diz o padre Rafael Javier Magul, pároco da igreja ortodoxa São Nicolau, de Goiânia. Para o sacerdote, os pais devem aproveitar essa imagem que já existe para contar a história do homem generoso por trás da lenda. “Papai Noel existiu de verdade e foi uma pessoa misericordiosa que não se esquecia de ninguém”, diz padre Rafael. Talvez por isso ocupe um espaço tão privilegiado no imaginário infantil.
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Camila Brandalise

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