9 de set. de 2014

A vingança de Osama

Há alguns anos eu vi um homem sendo decapitado. Chegou um vídeo completo na TV, e vi. Um bando de demônios de preto, gritando “Só Deus é grande!”, agarram o pobre sujeito e lhe cortam o pescoço como o de um porco. 

Ele grita enquanto a cabeça lhe é arrancada, com jorros de sangue que sujam as mãos dos carrascos, que gargalham de felicidade porque sentem-se mais perto do céu, pois a cada cão infiel morto à faca eles sobem de “ranking” para a salvação. E, diante desses bichos escrotos, não adiantam a indignação e o horror. Eles apenas são adeptos do califado da morte que o Estado Islâmico quer construir entre Síria e Iraque. Hoje, além das pegadinhas e bobagens que são postadas, o YouTube está cheio de decapitações e fuzilamentos emocionantes parecidos com filmes de violência coreanos. Vejam para entender melhor o “contemporâneo”.

Que fazer contra esses ratos que infestam o Oriente Médio e o norte da África (Estado Islâmico e Boko Haram)? Como atacar esse novo tipo de crueldade? De uma forma repugnante, a verdade do mundo atual apareceu. Estão explodindo todas as misérias do planeta para além do desprezo do circuito Helena Rubinstein: uma religião da vingança e da morte, a ignorância milenar de desgraçados no deserto, a suprema inveja das conquistas do Ocidente, o cultivo do martírio.



A história humana é a história da crueldade. O Oriente é o retorno da pulsão de morte recalcada, a morte que mandamos para embaixo do tapete. Agora, a sujeira está voltando em nossa cara. Os milênios foram gastos no extermínio. Mas essa nova forma de horror se dá em pleno século XXI, quando foguetes norte-americanos já viajam entre os anéis de Saturno e aterrissam em cometas.


Agora, temos a revolta do lixo da humanidade. Alguns dirão: “Bem feito, depois que o Ocidente gerou isso tudo com sua exploração colonial e imperialista...” Não, agora não são mais reativos, são inventivos, com armas compradas na Rússia e China, além do armamento pilhado da bosta que virou a “primavera árabe”. Não são mais “consequência” de nada, são a vanguarda de uma nova forma de morte, depois que tiveram a ideia de usar as máquinas do Ocidente contra o Ocidente: aviões e mísseis contra os infiéis. E seduziram milhares de malucos ingleses e norte-americanos (mais de 2.000) que entram no Estado Islâmico para voltar a seus países e cometer crimes infernais como em Boston e na Espanha.

O Estado Islâmico desumaniza totalmente os inimigos, que não são tratados nem como bichos, mas como coisas a serem destruídas. Pode? Eles estão pautando a agenda do Ocidente. Agora, só resta aos países ameaçados gastar bilhões para a defesa. É impossível “resolver a situação”. Nosso único consolo é o Obama ser o presidente norte-americano. Se fosse o Mitt Romney ou o John McCain, estaríamos ferrados. Não podemos esquecer que se hoje os republicanos chamam de “covardia” o bom senso de Obama, foram eles, liderados por Bush e Dick Cheney, os culpados por tudo isso. Esses dois tinham de estar condenados à morte porque invadiram o Iraque com a mentira e os interesses pelo petróleo, destruindo o único muro de arrimo que o Oriente Médio ainda tinha: a sórdida ditadura de Sadam. E, com esse pretexto, arrasaram o mundo democrático.

Antes, a Guerra Fria era entre dois filhos do racionalismo: a Razão socialista contra a Razão capitalista. E o medo da morte nuclear criava a “deterrence” (a contenção por medo mútuo). Agora, a guerra virou o diabo solto. Se um dos inimigos não tem medo de morrer, não há vitória. A morte ocidental é diferente da morte oriental. Como afirmou o Mulá Muhamed Omar com desdém: “Nós amamos a morte; vocês sempre gostaram de viver!” A guerra é assimétrica porque a América tem uma ideologia. Mas eles têm a teologia.

Subitamente, fomos arrojados de volta a uma era pré-política. Os nazistas queriam um milênio ariano, os comunas queriam construir um paraíso stalinista, mas os fanáticos do islã não querem construir nada. Já estão prontos. Já chegaram lá. Já vivem na eternidade. Querem apenas destruir o demônio, que somos nós. Lembro as negras palavras de Osama antes de morrer: “Não permitiremos de novo a humilhação que os muçulmanos sofreram na Andaluzia”. Sabem quando? Em 1492, quando os mouros foram expulsos da Península Ibérica. E citou também o tratado de Sèvres, quando o Ocidente acabou com o Império Otomano e com o sonho de unidade árabe, em 1920. Osama nos odiou por 500 anos.

Tudo o que fazemos tem o alvo da finalidade, do progresso. O islã não quer isso. Quer o imóvel, a verdade sem dúvidas. O islã transcendeu a história há muito tempo. Suas multidões ou jazem na miséria conformados, perfazendo o ritual obsessivo do Corão, ou partem para o ataque sem fim. A grande arma do islã é o suicídio. Não o suicídio melancólico entre nós, nem o haraquiri do arrependimento japonês, mas o suicídio triunfal, feliz, ativo, o suicídio que mata também o “outro”. Parafraseando a velha frase de Camus, hoje “o suicídio é a grande questão política de nosso tempo”. Ai, que loucura: o suicídio como esperança.

Dissolveu-se o mito de que alcançaríamos uma harmonia política futura, um sonho de ordem qualquer. Acabam o “happy end”, a lógica, o princípio, o meio e o fim. Findou o sonho de “solução”, mixou a ideia de “futuro redentor”. Platão quebrou a cara. O inconsciente bárbaro está mandando no Ocidente.

Nosso período histórico parece se encaminhar para uma grande catástrofe. Quando não há solução, nasce uma fome de irracionalismo que estoura os freios da civilização. Não há mais ideias “universais”. Como disse o Baudrillard, tão desprezado pela Academia, “acabou o universal, só temos o singular e o mundial”.

A morte não estará mais num leito burguês com extrema-unção e família chorando; a morte será um cachorro pelas ruas, atacando de repente. O mundo atual desmoraliza a tragédia.

Osama está se vingando do Ocidente, lá do fundo do oceano. O Estado Islâmico é seu herdeiro. Osama traçou um destino de linhas tortas para o século XXI.

Arnaldo Jabor

Um comentário:

Cassiano Simões disse...

Puxa, citar Arnaldo Jabor é de doer! fazer o que, né? :-)

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