21 de mai. de 2007

Ler será, no futuro, um ato de rebeldia


Ler será, no futuro, um ato de rebeldia
A atual cultura de imagens é superficialíssima, ao contrário do que acontecia na Idade Média e na Renascença, épocas também marcadas por uma forte imagética. Pense, por exemplo, nas imagens veiculadas pela publicidade. Elas captam a nossa atenção por apenas poucos segundos, sem nos dar chance para pensar. Essa é a tendência geral em todos os meios visivos. Assim, a palavra escrita é, mais do que nunca, a nossa principal ferramenta para compreender o mundo. A grandeza do texto consiste em nos dar a possibilidade de refletir e interpretar. Prova disso é que as pessoas estão lendo cada vez mais, assim como mais livros estão sendo publicados a cada ano. Bill Gates, presidente da Microsoft, propõe uma sociedade sem papel. Mas, para desenvolver essa idéia, ele publicou um livro. Isso diz alguma coisa.

Estatísticas mostram que é a Islândia é país que mais se lê. O curioso é que esse dado não vem de agora. No século passado, o francês Júlio Verne criou uma interessante passagem a respeito no romance Viagem ao Centro da Terra. Ao chegar à biblioteca de Reykjavik, capital daquele país, seus heróis encontraram as prateleiras quase vazias. Os livros estavam emprestados a ávidos leitores.

Da mesma maneira que não podemos fazer com que uma criança goste de alguém, não temos a capacidade de transformá-la num leitor. O que devemos fazer, como adultos responsáveis, é colocar a literatura à disposição da garotada. Uma das razões pelas quais às vezes não apreciamos um determinado livro é por termos sido forçados a lê-lo na escola ou por nossos pais terem lido e nos obrigado a fazer o mesmo. Parte da maravilha e da riqueza da leitura vem da liberdade que ela sugere e da possibilidade de vagar por florestas de prateleiras, escolhendo o livro certo para aquele momento, como se nós fôssemos seu primeiro leitor ou estivéssemos chegando a um país desconhecido. Essa é uma experiência que não devemos tirar de nossas crianças. Devemos deixá-las escolher, dizendo: "Você será uma pessoa melhor, mais feliz e mais sábia quando encontrar seu livro".

Os livros de hoje derivam dos pergaminhos e estes, das tábuas. Ou seja, são resultado de um processo que visou facilitar a vida do leitor. O formato atual do livro permite carregá-lo para qualquer lugar, folheá-lo sem esforço e anotar em suas margens. Também possibilita que saibamos exatamente seu tamanho, o que era difícil no caso do pergaminho. As palavras impressas no papel são tangíveis, você quase pode tocar a tinta, e têm uma durabilidade incrível. No museu de arqueologia de Nápoles, vi papiros queimados na erupção do Vesúvio que destruiu Pompéia. Ainda é possível ler o que está escrito nesses fragmentos. Já se um disquete cair na água o texto nele contido desaparecerá para sempre. No computador, o texto não tem uma realidade sólida, além de ser extremamente frágil – se você apertar um comando errado, adeus texto. Quando falamos em ler um livro, nosso vocabulário é gastronômico: "Devoramos um livro" ou "Saboreamos um texto". Já em relação ao computador usamos palavras que têm a ver com superfície, como "surfar na internet" ou "escanear um texto".

É impossível interiorizar o texto que aparece na tela luminosa. Isso me faz pensar que não lidamos com a informática de maneira correta. Veja o caso do CD-ROM. Insistimos em utilizá-lo como artifício para enriquecer a edição de uma obra, quando o melhor recipiente para um texto é o livro convencional. A história mostra que esse tipo de problema ocorre sempre que adotamos uma nova tecnologia. No final do século passado, dizia-se que, com o nascimento da fotografia, a pintura morreria. Da mesma forma, acredita-se hoje que a mídia eletrônica substituirá a imprensa. Bobagem. Assim como a fotografia encontrou uma linguagem própria, a informática também achará a sua.

Alberto Manguel

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