Quem diria: aquele frio na espinha na hora de pular do trampolim é essencial para a nossa vida. O medo acaba com a gente quando estamos vendo um filme de terror ou tentando pular na piscina, mas, sem ele, não seríamos nada, coisa nenhuma.
Na ausência do medo, não teríamos nenhuma reação em situações de perigo, como a aproximação de mastodonte na idade do gelo ou quando o carro vai dar de cara no poste. Essa proteção acontece involuntariamente: a sensação de temor chega antes às partes do cérebro que regem nossas ações involuntárias que ao córtex, a casca cerebral onde está o raciocínio.
Além desse medo primordial, existe o medo criado pela mente. Afinal, não corremos risco iminente de não perpetuar a espécie quando gaguejamos diante de uma possível paquera, ao tentar pedir aumento para o chefe ou quando construímos muralhas e bombas atômicas. Pelo contrário. "O medo de ser ridicularizado ou menos amado pelo outro é a fonte de neuroses e fobias sociais, mas está presente em todas as pessoas", diz a psicóloga Maria Tereza Giordan Góes, autora do livro Vivendo Sem Medo de Ter Medo. E o que aconteceria se seguíssemos com o medo involuntário mas deixássemos de ter o medo imaginário? Pois é, também não seríamos muita coisa.
O medo é um conceito fundamental para Freud, o pai da psicanálise. Segundo ele, é o medo da castração, de ser ridicularizado ou menos amado, que faz os homens lutar por objetivos e se submeter a provas sexuais e sociais. Sem medo, poderíamos ficar sem motivação de competir, inovar, ser melhor que o vizinho. Pior: viveríamos num caos danado, já que o medo de ser culpado e castigado é raiz para instituições e religiões. "Nunca uma civilização concedeu tanto peso à culpa e ao arrependimento quanto o cristianismo", afirma o historiador francês Jean Delumeau, autor do livro História do Medo no Ocidente.
"O medo se reproduz na forma da autoridade física e espiritual", afirma a psicanalista Cleide Monteiro. "Ele está na base de instituições que podem ser opressoras, mas fazem a sociedade andar para a frente longe de barbáries." Para a psicanálise, funciona assim: quando eu reconheço em mim a possibilidade de fazer mal a alguém, a enxergo também em você, então passo a temê-lo. Para podermos conviver numa boa, criamos coisas superiores para temer, como a polícia e a religião. Sem o medo, não teríamos nada disso. Sairíamos direto na faca.
Deus, que Deus?
A religião seria a primeira idéia a ficar obsoleta. Sem o medo do desconhecido, do que pode nos acontecer no futuro ou de catástrofes naturais, a imagem de seres superiores desapareceria. Com ela, sumiriam todos os códigos morais construídos pelos homens e vinculados à religião, como a noção de culpa e pecado.
Barbárie
A falta de culpa e pecado poderia causar horror total na sociedade. Fora os atos criminosos que não cometemos simplesmente porque não achamos correto, colocaríamos em prática todos aqueles que temos ímpeto de fazer mas somos freados pelo medo de ser condenados. Discussões, brigas, assassinatos e até estupros explodiriam.
Sem futuro
Medos imaginários são tidos como a causa de várias ações que tomamos para ter uma vida digna, saudável e estável, como comprar uma casa ou tentar ser promovido. Sem medo, nossa vida teria poucos objetivos e preocupações. Seríamos hedonistas, bêbados e glutões e não ligaríamos para o que poderia acontecer no dia seguinte. Morreríamos ainda jovens.
Racismo
O mundo seria um caos sem medo, mas talvez as nações e raças vivessem mais em paz. "O racismo é a exacerbação do medo coletivo de ser atacado", afirma a psicanalista Cleide Monteiro. Como o racismo é a fonte de grande parte da segregação, teríamos mais miscigenação - pelo menos nessa área, a situação ficaria mais justa.
Terra sem lei
Além de surgirem cenas de horror pela rua, não haveria ninguém para julgar os crimes, como a Justiça, já que as noções de pecado e culpa seriam diferentes. Também deixaria de existir a preocupação com o que o outro pode fazer quando você anda na rua. Ou seja: não existiriam leis ou instituições jurídicas para condenar quem não as cumprisse.
Tecnologia zero
Não teríamos medo, mas também não teríamos tecnologias feitas para nos proteger do imprevisível, como pára-raios ou açudes. A indústria bélica seria afetada: em vez de armas que possibilitam atacar de longe, sem mostrar o rosto e sem chance de contra-ataque, sairíamos na faca em brigas de esquina e nas guerras entre países. Remédios? Para que se preocupar com isso...
Leandro Narlock
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