3 de jun. de 2008

Eu já estive por lá...


Outro dia fui ao cinema com um grande amigo. Sentamos um ao ladinho do outro, dividimos uma pipoca gigante, confidenciamos comentários bobos a respeito do filme. Essas coisas que amigos fazem.
Tudo corria bem não fosse um incômodo generalizado que eu sentia na alma: “Peraí, mas eu já dormi com esse cara!”. Não adianta, não consigo ser natural. Homens têm razão quando não gostam de ver suas namoradas muito próximas de “amigos” que já experimentaram do doce. Sempre vai rolar uma piadinha do tipo “ah, mas eu sei que você não é realmente loira” ou ainda “pára de ajeitar essa blusa, eu já vi tudo que tem aí embaixo mesmo”. Quem já “esteve por lá” sempre vai se sentir, ainda que inconscientemente, um eterno possuidor de território, mesmo que o outro case ou mude de sexo. São como vacas ou bois carimbados.

E aí o meu amigo pergunta se eu quero ficar com o saco na mão, referindo-se à pipoca, claro. E eu não consigo disfarçar uma risada eminente. Depois ele pergunta se eu quero uma carona pra voltar pra casa ou prefiro “me virar”. E eu quase me vejo explicando pra ele, de novo, que não curto esse papo de me virar. Mas apenas sorrio e fujo dali o mais rápido possível. Uma vez pelada para uma pessoa, parece que você nunca mais se sentirá de roupa na frente dela. Pior é quando seu ex-parceiro sexual começa a namorar uma amiga. E todo mundo dá uma de civilizado e sai junto, afinal, “faz aí uns bons cinco anos que você saiu com o cara e nem rolou nada muito forte entre vocês”. E você tenta desfocar o máximo que pode das lembranças, mas é só ele abrir a boca com aquela língua presa e a voz na salada, que você lembra que ele parece o Pato Donald tendo prazer. E não consegue disfarçar um pouco de pena que sente da sua amiga.

Ela, mais cedo ou mais tarde, vai se encher daqueles gemidos de gás hélio que ele dá. uma multidão de "ex" e aí você vai a uma festinha dessas que têm mais da metade das pessoas com quem você já conviveu ou trabalhou na vida e descobre, para seu falso desespero, que você aproveitou bem seus últimos dez anos. Muito bem, por sinal. E o incômodo na alma começa de novo. Primeiro você tem que ser simpática e natural com aquele uruguaio que teve de dispensar porque tinha mania de lamber seu braço. Creeeeedo. Depois encontra um daqueles caras inesquecíveis e é inevitável sorrir que nem uma idiota mesmo que o assunto seja a morte de alguém. O cara te conta que está desempregado e você sorri. Que tem uma doença terminal e você sorri. E vai explicar pro cara que isso é um elogio?
Pior é aturar aquele tapinha nas costas e aquele olhar de “ei, gata, lembra de mim?” de algum estagiário precoce que você pegou pra esquecer algum tio moleque. Claro que você lembra dele, teve que atender a mãe dele umas cinco vezes só em uma tarde! E aí você encontra o tio moleque também, e é inevitável ter que cumprimentá-lo “adultamente” mesmo lembrando que vocês adoravam interpretar astros do rock na frente do espelho. Simplesmente não dá para perguntar da CPMF ou das crianças e fingir que nada está acontecendo!
A regra é simples: se você já deu, não dá! Fica sempre aquele fantasma berrando na sua cabeça: “Eu já estive por lá! Eu sei onde ele tem pinta, eu sei onde ele tem cócegas, eu sei onde ele não tem domínio, eu sei que ele tem uma cueca rasgada, eu sei que ele acorda com baba branca ressecada, eu sei que ele imita o Pavarotti, eu sei que ele pede coisas estranhas...” E tudo isso passando pela sua cabeça enquanto você reclama do calor, do governo, da festa, do emprego, das contas para pagar... Quando tudo o que você mais queria era reclamar: meu amigo, por favor, me explica onde eu tava com a cabeça quando estive por aí?
Tati Bernardi

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