21 de jan. de 2009

Dez lições de Bush para Obama

Na verdade, há muito que o presidente eleito, Barack Obama, pode aprender a partir da turbulenta presidência de George W. Bush. Durante os últimos oito anos, entrevistei o presidente Bush por quase 11 horas, passei centenas de horas com os principais nomes de sua presidência e analisei milhares de páginas de documentos e anotações. Isso rendeu quatro livros, num total de 1.727 páginas, compondo um estudo de caso bastante extenso sobre o processo presidencial de tomada de decisões. A moral dessa história é farta e variada. Os presidentes vivem em meio aos assuntos inacabados de seus antecessores, e Bush projeta uma sombra gigantesca sobre a presidência de Obama: duas guerras em aberto e uma monumental crise econômica e financeira. Eis aqui dez lições que Obama e sua equipe devem aprender a partir da experiência de Bush. 1.Os presidentes definem o tom do relacionamento entre os membros da sua equipe. Não se pode ser passivo nem tolerar divisões virulentas. No outono de 2002, Bush testemunhou pessoalmente um preocupante embate entre a conselheira de Segurança Nacional, Condoleezza Rice, e o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, na sala de comando de emergências (Situation Room), depois de Rumsfeld ter exposto ao Conselho de Segurança Nacional um relatório sobre os planos para a guerra no Iraque. No outono de 2002, Bush testemunhou pessoalmente um preocupante embate entre a conselheira de Segurança Nacional, Condoleezza Rice, e o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, na sala de comando de emergências (Situation Room), depois de Rumsfeld ter exposto ao Conselho de Segurança Nacional um relatório sobre os planos para a guerra no Iraque. Condoleezza queria ficar com uma cópia dos slides informativos do Pentágono, reunidos sob o codinome Polo Step. "Acho que você não vai precisar disso", disse Rumsfeld, esticando o braço sobre a mesa e arrancando das mãos de Condoleezza o envelope marcado como Top Secret - bem diante dos olhos do presidente. "Vou deixar que vocês dois se entendam", disse Bush, voltando-se para a porta e saindo da sala. Condoleezza teve de enviar um assessor ao Pentágono para obter uma cópia pirata diretamente com o Estado-Maior Conjunto. Bush jamais deveria ter aceitado a forçação de mão de Rumsfeld. Em lugar de uma equipe em que houvesse rivalidade, Bush acabou cercado por um grupo de traidores com antigas e virulentas discordâncias entre eles sobre princípios de política externa. 2.O presidente deve insistir para que todos se pronunciem abertamente uns diante dos outros, mesmo que haja - ou especialmente quando houver - discordâncias veementes. Nesse mesmo período crítico, o vice-presidente, Dick Cheney, estava exigindo que o secretário de Estado, Colin Powell, avaliasse com seriedade a possibilidade de ligar o Iraque aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Powell considerou a hipótese mais do que ridícula e concluiu rancorosamente que Cheney sofria do que chamou de "delírio febril". (Em particular, Powell costumava chamar o gabinete de elaboração de medidas do Pentágono, administrado pelo subsecretário da Defesa, Douglas Feith, que partilhava do interesse ardente de Cheney nos supostos laços entre a Al-Qaeda e o Iraque, de "gabinete da Gestapo".) Powell estava certo ao concluir que Saddam Hussein e Osama bin Laden não trabalharam juntos. Mas Cheney e Powell não travaram esse debate fundamental diante do presidente - muito embora tal discussão possivelmente enfraquecesse uma das principais razões para a guerra. Cheney aconselhava o presidente em particular, mas raramente teve de debater com outras pessoas em defesa de seu ponto de vista. Depois da invasão, ele promoveu um jantar comemorativo com alguns assessores e amigos. "Colin sempre teve imensas reservas contra o que estávamos tentando fazer", disse Cheney ao grupo, enquanto brindavam à saúde de Bush e riam de Powell. Escárnios desse tipo prejudicaram a unidade de propósito da administração - e dão uma amostra do tom belicoso que pode emergir quando o debate aberto é sufocado por divergências antigas e hostilidades pessoais. 3.Um presidente precisa fazer a lição de casa para dominar as ideias e conceitos fundamentais por trás das medidas que adota. O presidente não deve gerenciar cada detalhe, mas a compreensão das ramificações das suas posições não pode ser terceirizada. Por exemplo, o general George W. Casey Jr., comandante das forças americanas no Iraque de 2004 a 2007, concluiu que o presidente Bush não compreendia os fundamentos básicos por trás da guerra no país. Casey acreditava que Bush, insistindo em perguntar sobre o número de baixas inimigas, via a guerra como uma batalha convencional e não como aquilo que de fato era: uma campanha de contrainsurgência para conquistar a confiança da população iraquiana. "No Iraque, não podemos abrir caminho para a vitória através da matança", disse posteriormente o general David Petraeus. Em entrevista concedida a mim em maio de 2008, Bush insistiu em que ele, mais que todos, era quem melhor compreendia sobre o que era a guerra. 4.Os presidentes precisam fazer com que as pessoas exponham seus pontos de vista e se certificar de que as más notícias cheguem ao Salão Oval. Em 18 de junho de 2003, antes que os verdadeiros problemas começassem a surgir no Iraque, o general da reserva Jay Garner, primeiro oficial a chefiar a iniciativa de reconstrução do país, alertou Rumsfeld de que a dispersão do Exército iraquiano e a expulsão de um número excessivo de ex-partidários do Baath eram "equívocos trágicos". Mas, numa reunião com Bush no Salão Oval mais tarde naquele mesmo dia, nada disso foi mencionado e Garner relatou a um presidente satisfeito que, em 70 reuniões realizadas com iraquianos, eles sempre diziam "Deus abençoe o sr. George Bush". O presidente devia ter perguntado a Garner se ele tinha alguma preocupação - talvez até mesmo expulsando Rumsfeld do Salão Oval e dizendo algo como "Jay, você esteve lá, insto em que me diga a verdade. Não esconda nada". Bush por vezes achou que conhecia as opiniões particulares dos seus assessores sem perguntá-las a eles individualmente. Ele tomou aquela que foi provavelmente a decisão mais importante de sua presidência - se deveria invadir o Iraque ou não - sem perguntar diretamente a Powell, a Rumsfeld e ao diretor da CIA, George Tenet, qual era a recomendação deles no caso. (Em lugar de consultar o próprio pai, o ex-presidente George H. W. Bush, que declarara guerra em 1991 para expulsar o Exército iraquiano do Kuwait, o jovem Bush me contou que tinha consultado um "pai superior" em busca de forças.) 5.Os presidentes precisam fomentar uma cultura de ceticismo e dúvidas. Durante entrevista concedida por Bush em dezembro de 2003, li para ele uma citação de seu aliado mais próximo, o primeiro-ministro britânico Tony Blair, sobre cartas em que parentes de soldados mortos afirmavam odiá-lo. "Não acredite se alguém disser que ao receber tais cartas não sofra com dúvidas", dissera Blair. "Pois não sofri dúvidas", respondeu Bush. "É mesmo?" perguntei. "Nenhuma?" "Não", disse ele. Presidentes e generais não têm que viver em dúvida. Mas deveriam aprender a amá-la. "Você não pode ser o papagaio no ombro do secretário", disse o general dos fuzileiros navais James Jones, futuro conselheiro de Segurança Nacional da administração Obama, a seu velho amigo, o general Peter Pace. Na época, Place era chefe do Estado-Maior Conjunto - um grupo que Jones considerava ter sido "sistematicamente emasculado por Rumsfeld". A dúvida não é inimiga das boas medidas. Ela pode ajudar os líderes a avaliar alternativas, tomar decisões importantes e posteriormente fazer correções de rumo se estas se mostrarem necessárias. 6.Os presidentes recebem dados contraditórios e precisam confrontá-los com rigor. Entre 2004 e 2006, a CIA relatava que o Iraque estava se tornando mais violento e menos estável. Em meados de 2006, a representante do próprio Bush no Conselho de Segurança Nacional, Meghan O?Sullivan, fez um comentário franco sobre as condições em Bagdá: "É o próprio inferno, sr. presidente". Mas o Pentágono manteve o otimismo e relatou que uma estratégia de retirada dos soldados americanos e transferência da responsabilidade pela segurança aos próprios iraquianos resultaria em "autossuficiência" em 2009. Até onde pude apurar, o presidente jamais insistiu em que fosse resolvida a contradição entre "inferno" e "autossuficiência". 7.Os presidentes precisam contar a verdade nua e crua ao público, mesmo que isso signifique dar notícias muito ruins. Durante anos após a invasão do Iraque, Bush fez pronunciamentos públicos consistentemente otimistas. Isso foi muito além do infame cartaz de "Missão Cumprida", que ele admitiu na última segunda feira ter sido um equívoco. "Estamos vencendo, com toda certeza", disse o presidente durante uma entrevista coletiva concedida em outubro de 2006. "Estamos vencendo." Seus comentários confiantes foram feitos durante uma das fases mais negativas da guerra, num momento em que todos que tinham televisão sabiam que a guerra ia mal. Em 5 de fevereiro de 2005, quando Stephen Hadley estava deixando o cargo de vice de Condoleezza no primeiro mandato de Bush para assumir o de conselheiro de Segurança Nacional, fizera uma interpretação confidencial, privada, sobre o primeiro mandato de Bush, dominado pelo Iraque. "Eu nos dou ?menos B? em planejamento político e menos D em execução", disse ele. Posteriormente, o presidente me disse que sabia que a "estratégia para o Iraque não estava funcionando". Então, como poderiam os Estados Unidos estar vencendo uma guerra se sua estratégia estava fracassando? Depois do 11 de Setembro, Bush falou francamente sobre uma guerra ao terror que poderia durar toda uma geração e incluir outros ataques contra o território americano. Essa franqueza marcou o período de maior popularidade e capacidade de liderança de Bush. Os presidentes são fortes quando incorporam a voz do realismo. 8.Motivos justos não bastam para garantir eficácia política. "Acredito que tenhamos o dever de libertar as pessoas", Bush me disse em fins de 2003. Creio que ele realmente quisesse trazer a democracia ao Afeganistão e ao Iraque. Durante a preparação de seu segundo discurso de posse, em 2005, por exemplo, Bush disse ao chefe de sua equipe de redatores de discursos, Michael Gerson: "O futuro da América e sua segurança dependem da propagação da liberdade". Isso inspirou tanto o idealista Gerson que ele se engajou em produzir o equivalente em política externa à teoria do campo unificado de Einstein - um pronunciamento de 17 minutos no qual o presidente afirmava nada menos que sua meta era "o fim da tirania no mundo". Mas essa motivação elevada com frequência cegou Bush e assessores para as consequências de sua corrida enlouquecida rumo à democracia. Em 2005, por exemplo, Bush e seu gabinete de guerra passaram boa parte do tempo na promoção de eleições livres no Iraque - coisa que acabou destacando o isolamento da minoria sunita e preparando o terreno para a selvagem violência sectária de 2006.
9. Os presidentes precisam insistir em pensamento estratégico. Somente o presidente (e quem sabe o conselheiro de Segurança Nacional) podem fazer com que uma burocracia estática visualize em que a administração deverá estar enfocando em um, dois, ou mesmo quatro anos. Então devem ser estabelecidos planos táticos detalhados, passo a passo, para tentar atingir a meta. É fácil para uma administração consumir-se na tarefa de apagar incêndios rotineiros que com frequência exigem o envolvimento do presidente. (Perguntem a Obama quanto tempo ele tem passado envolvido com a guerra em Gaza.) Mas um presidente será provavelmente julgado pelo sucesso de seus planos de longo prazo, não pelo gerenciamento de crises diárias. Por exemplo, nas guerras do Afeganistão e do Iraque, a qualidade do planejamento para as operações de combate oscilou entre adequada e forte, mas pouquíssima atenção foi dedicada ao que poderia sobrevir à queda do Taleban e do Partido Baath. Algumas decisões estratégicas fundamentais - dispersar o Exército iraquiano, expulsar os partidários do Baath do governo e impedir a formação inicial de um conselho iraquiano de governo - foram tomadas no próprio Iraque, sem o envolvimento do Conselho de Segurança Nacional e do presidente. Obama faria bem em se lembrar do exemplo de um jovem presidente democrata que estava disposto a elaborar planos de longo prazo. Bill Clinton assumiu a presidência em 1993 depois de ter prometido cortar pela metade o déficit federal em questão de quatro anos. O plano inicial não parecia muito firme e Clinton foi muito criticado durante mais de um ano. Mas ele e sua equipe mantiveram a estratégia básica de corte nos gastos federais e aumento de impostos, medidas que estabeleceram boa parte dos fundamentos da prosperidade econômica da era Clinton. Foi um planejamento estratégico clássico, demonstrando disposição em pagar um preço no curto prazo para obter o tipo de ganho de longo prazo que entra para os livros de história. 10.Os presidentes devem abraçar a transparência. Alguma versão do que aconteceu nos bastidores durante seu período na Casa Branca sempre chegará ao público - e será melhor para todos se essa versão for tão precisa quanto possível. Em 8 de março de 2008, Hadley fez um extraordinário comentário sobre como era difícil compreender a verdadeira maneira pela qual Bush tomava suas decisões. "Ele fala com muita autoridade e transmitindo grande segurança ao afirmar eis o que vamos fazer", disse Hadley. E não estará sendo sincero. Porque ainda não terá passado pelo processo de considerações que o deixaria apto a poder dizer ?eu decidi?. E se você escrever todas essas coisas e os historiadores tiverem acesso a elas, eles dirão: ?Bem, ele decidiu em tal dia fazer tais e tais coisas?. Não é verdade. Não é história. É um fato, mas um fato enganador."Os presidentes devem tomar cuidado com tais "fatos enganadores". Eles devem manter debates e discussões internas com seus principais assessores que façam sentido quando vierem à tona posteriormente. Esse tipo de relato dos bastidores será divulgado, ao menos em parte, durante a presidência. Mas a melhor versão possível emergirá mais vagarosamente, ao longo do tempo, e fará parte da história.
Bob Woodward - The Washington Post

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