22 de mar. de 2009

Nana, neném, por favor

É até com certo orgulho que pais e mães de recém-nascidos exibem suas olheiras, símbolo do trabalho que dá seu bebê em fase de adaptação a um mundo que não conhece. Tudo natural e esperado. E quando a criança já consegue andar mas ainda não é capaz de dormir uma noite inteira sozinha? Aí há problema, sim, e muitíssimo frequente.
"Ela agora dorme, mas só até as 6 e meia da manhã. E acorda de hora em hora", conta, meio conformada, a professora de pilates Renata Winkel Schneider, mãe da catarinense Marina, 8 meses. "Primeiro, resmunga. Se não atendo rápido, ela começa a chorar", diz Renata, que desde que a filha nasceu não sabe o que é uma noite de sono tranquila.
Atire a primeira fralda descartável quem nunca ouviu uma mãe reclamar que o bebê exige atenção a noite inteira. Aos pediatras, cabe separar os casos de base patológica, que exigem intervenção médica, daqueles comportamentais, em que os maus hábitos do bebê são incentivados ou até criados inadvertidamente pelos próprios pais. Uma pesquisa mundial sobre o perfil do sono das crianças até 3 anos patrocinada pela Johnson & Johnson mostrou, pela primeira vez, que pelo menos em número de casos a insônia dos bebês é mais de responsabilidade dos pais do que de doenças subjacentes – mas eles não têm consciência disso. A pesquisa revela que 35% dos pais brasileiros acreditam que seus bebês têm algum problema, da mesma forma que 25% dos americanos, 76% dos chineses e 23% dos ingleses. "De cinco anos para cá, o número de atendimentos em ambulatório de pediatria por queixas de sono dobrou", diz a neuropediatra Márcia Pradella-Hallinan, coordenadora do setor de pediatria do Instituto do Sono da Universidade Federal de São Paulo e uma das consultoras da pesquisa. "Mas os casos extremos não aumentaram. A questão maior é comportamental. Os pais estão mais atentos ao sono dos filhos, descobrem que não conhecem o assunto, e isso os deixa ainda mais ansiosos." Realizada com 35 000 pais (4 000 só no Brasil), a pesquisa esquadrinhou os hábitos de sono de crianças pequenas em dezenove países da Europa, Ásia, Oceania, América Latina e do Norte. Primeira conclusão: "Os problemas de sono são uma questão universal", disse a Veja uma das coordenadoras, a psicóloga americana Jodi Mindell, diretora do Centro do Sono do Hospital Infantil da Filadélfia e da Fundação Nacional do Sono dos Estados Unidos. "E acredito firmemente que os pais têm enorme responsabilidade por esse problema." Segundo Jodi, os principais indicadores da existência de problemas de sono nas crianças pequenas são: dormir muito tarde (em geral após as 21 horas), não ter uma rotina pré-berço e exigir a presença dos pais durante a noite, seja para ser alimentadas ou só ninadas. No Brasil, os bebês dormem, em média, às 21h40 – tarde, em comparação com os neozelandeses, que se deitam às 19h30, e cedo, perto dos argentinos, que passam das 22h30. O fofíssimo Guilherme, 1 ano, vai para o berço depois das 23 horas e acorda várias vezes durante a noite. "Até os 6 meses ele dormia na minha cama e eu ficava esmagada no cantinho. Agora já dorme no berço, em outro quarto, mas ainda acorda de três em três horas", conta a arquiteta paulistana Luciana Alves. "Sei que é dengo. Já chegamos a colocá-lo no carro de madrugada, de pijama, para ver se pegava no sono direito", diz. Como Guilherme, 42% dos brasileirinhos pesquisados dormem no quarto dos pais, sendo 22% na cama deles (veja o quadro nas páginas anteriores), hábitos desencorajados pelos médicos, primeiro pelo risco de acidentes e depois porque, como confirma o estudo, os bebês que dormem no próprio quarto dormem mais, mais cedo, e acordam menos vezes durante a noite. "Na Ásia, é cultural a questão de pôr as crianças para dormir com os pais. Já aqui a conotação é outra. Os pais têm pena do filho, acham que não dão a atenção devida, que ele sente a falta. Ou então o colocam na própria cama porque eles precisam dormir e ali fica mais fácil cuidar da criança", explica Márcia. A atendente de telemarketing Thaís Rocha Ramos, mãe de Kalanie Shikay, 10 meses, confirma que o faz pelo próprio conforto. "Na maioria das vezes ela passa para a minha cama porque estou morrendo de sono. Mesmo assim, acorda a cada três horas", conta Thaís. E confessa: "Já deixei que chorasse e ela dormiu, vencida pelo cansaço. Mas, como moro com meus pais, incomodou todo mundo". O caminho para a solução do problema, dizem os especialistas, exige muita paciência e disciplina. "O sono é uma função aprendida. O bebê precisa aprender a dormir", receita a pediatra Eduardina Tenenbojm, do Grupo de Pesquisa Avançada em Medicina do Sono do Hospital das Clínicas da USP. "Os problemas médicos que podem provocar distúrbios de sono não chegam a 5% dos casos. Em geral, as dificuldades podem ser amenizadas se os pais adotarem comportamentos diferentes", diz. Ressalta, porém, que "os pais não erram por mal. Eles também sofrem". E como. "A Melissa vai fazer 1 ano no fim do mês e dorme oito horas por noite, mas acorda a cada três ou quatro para mamar. Basta dar a mamadeira que ela volta a dormir. O pediatra diz que é manha, mas, se eu não dou, ela chora tanto que acorda o prédio inteiro. Ela sente fome", argumenta a mãe, a paulistana Camila Rossi, 33 anos. A mãe de Marina, Renata, já notou inclusive uma queda na própria imunidade por causa da privação de sono. "Vira e mexe pego alguma infecção. Sem contar que fico muito irritada e explodo com qualquer coisa", lamenta. Entre os passos do aprendizado dos pais estão determinar – e seguir religiosamente – um horário e uma rotina de sono e ensinar a criança a dormir sem ajuda externa (veja o quadro abaixo). Gustavo Milani Augusto, 6 meses, segue um regime suavemente militar desde que nasceu e, segundo a disciplinadíssima mãe, a professora Lívia, 31 anos, dorme que é uma beleza. "Às 17 horas eu dava banho. Às 18, colocava música, apagava as luzes, desligava os barulhos da casa e fazia massagem nele. Às 19, estava dormindo. Hoje, por volta desse horário ele desliga e dorme doze horas direto. Quando acorda, não chora, brinca na cama, entretém-se com os bonecos e, se eu deixar, é capaz de dormir de novo. Foi treinamento", acredita. Atenção, porém, adeptos de mais um costume que a pesquisa confirma e os especialistas condenam: ver televisão, como fazem 28% dos pequenos brasileiros antes de dormir, excita, desperta e não põe a criança nem um milímetro mais perto de uma noite feliz, para ela e para os pais.

Bel Moherdaui - Revista Veja

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