Em 2004, Ilana Casoy deixou para trás seus longos e bem tratados cabelos loiros.
A decisão de passar a tesoura na bela madeixa não foi por vaidade, tampouco pelo desejo de mudar, mas sim devido a uma ameaça ouvida por telefone: "Vou te encontrar na morte, Rapunzel." Sem hesitar, procurou seu cabeleireiro.
"Acabei com a fantasia do cara", conta. "Mas depois gostei tanto da praticidade do corte que não quis mais saber de cabelo comprido."
Cuidado nunca é demais quando se está exposta a bandidos, afinal, Ilana tornou-se uma respeitada especialista em decifrar mentes de criminosos, principalmente os serial killers. Com base em evidências levantadas por peritos, elabora o perfil psicológico do assassino. Essas informações ajudam a polícia a criar estratégias de interrogatório, desvendar o caso e chegar até o culpado.
Entre as muitas investigações em parceria com órgãos oficiais, destacam-se crimes "famosos", como o do maníaco de Guarulhos e o de Suzane von Richthofen. Atualmente, acompanha o caso Nardoni junto com a promotoria. Mas também costuma viajar pelo País para investigar, ao lado da polícia, assassinatos que não chegam ao noticiário.
Formada em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas, seu conhecimento sobre a mente de um assassino – baseada em muita pesquisa e experiência de "campo"– rendeu três livros, todos com várias edições pela Ediouro. O primeiro deles, Serial Killer – Louco ou Cruel?, faz um apanhado de casos solucionados pelo mundo afora e está na nona edição.
Depois escreveu Serial Killers – Made in Brasil, que segue para a sétima edição este mês. "Histórias de ficção acabam quando o autor quer. Mas, no meu caso, por serem verídicas, muita coisa pode mudar quando um criminoso sai da cadeia após cumprir pena, morrer ou até se casar", observa Ilana. "Por essa razão, invisto muito do meu tempo atualizando meus livros."
Em O Quinto Mandamento, que está na quinta edição, ela conta os bastidores do homicídio do casal Richthofen, arquitetado pela filha Suzane. A publicação será adaptada para o cinema, pelas mãos da produtora e atriz Ana Paula Sant’Anna, que também interpretará a criminosa. "Vou ajudar a escrever o roteiro do filme", diz a paulistana, que completou 49 anos em fevereiro, e que é sobrinha do jornalista Boris Casoy e prima do apresentador Serginho Groismann.
VIRADA
Aos 20 anos, Ilana casou-se. Com 25, já cuidava de dois filhos. Perto de completar 40, deu um basta no emprego de administradora e pediu a conta na escola onde trabalhava. Foi quando resolveu escrever um livro, para a surpresa do marido e dos dois filhos. Queria também testar se era disciplinada o suficiente para realizar esse projeto pessoal.
O gênero policial sempre lhe interessou: "Ler e pesquisar sobre crimes sempre foi meu hobby. Tudo começou por causa dos filmes policiais com histórias baseadas em fatos reais. Não me conformava em não saber o que tinha sido ficção e realidade."
Curiosa, queria saber em qual crime o filme Silêncio dos Inocentes tinha se baseado. E onde Alfred Hitchcock havia buscado inspiração para construir as tramas de seus famosos suspenses. Começou a ir atrás dos casos reais, vasculhando pela internet os documentos da Scotland Yard, FBI, Suprema Corte americana e de vários outros países. Arquivava todo material sobre assassinos em série que conseguia.
A única dificuldade era obter informações no Brasil. Mas com a cara e coragem, há nove anos, Ilana procurou a Academia de Polícia de São Paulo e o departamento de perícia da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa.
"Em outros países, as informações são todas digitalizadas e com acesso quase irrestrito a crimes antigos, mas aqui não havia nada assim", conta. "Por ter sido algo inédito no meio, acabei sendo bem recebida, apesar de todo o estranhamento inicial."
Depois, Ilana soube pela internet que haveria um curso de perícia e pediu para ser aluna ouvinte. A resposta não veio de imediato, pois o pedido inusitado movimentou dirigentes que nunca haviam se deparado com uma mulher ávida por informações sobre crimes. Como uma coisa leva a outra, as portas começaram a se abrir. Até que foi convidada por um perito para acompanhar uma ocorrência de homicídio e não parou mais.
No seu primeiro contato direto com um assassino, Ilana conta que teve muito medo. Tremia sem parar. Hoje, já não se intimida quando precisa entrevistá-los na cadeia. "Eles me respeitam bastante", garante. "Assim como me tratam superbem, eu faço o mesmo, porque, apesar de tudo, são pessoas que também têm direitos."
Cenas chocantes de um crime não lhe causam mais tanto desespero, sofrimento, tristeza, insônia, vontade de chorar. Porém, precisa tirar brevíssimas férias para se recuperar do baque, da tensão que envolve seu trabalho, mesmo que tenha aprendido a controlar suas emoções.
"Só consigo lidar com uma realidade tão triste porque tenho um porto seguro, que é a minha família." Mesmo assim, faz terapia duas vezes por semana. Para quem está de fora, fica fácil separar o bem do mal, o certo do errado. Mas para quem está lá, no meio do furacão, não é bem assim.
– Ao conversar com um assassino, você ri e chora com ele. É uma mistura, porque quero entender a vida dele, mais do que o crime que cometeu. Geralmente são pessoas que tiveram uma infância difícil, o que não justifica os atos, é claro. O problema é que esses infelizes sentem dor, mas também causam muita dor.
Sobre as ocorrências que já acompanhou, Ilana fala: "O crime que mais me choca? Sempre o que estou trabalhando no momento. É doloroso entrar na cabeça de um assassino e ajudar a polícia a agir rápido para encontrá-lo. Quando isso acontece, respiro aliviada por ter evitado mais mortes."
CRIME DESVENDADO
Um dos crimes que ajudou a solucionar foi o do "monstro da Ceasa", em Belém do Pará. André Barboza matou três meninos de 14 anos após levá-los a um matagal e violentá-los, entre dezembro de 2006 e fevereiro de 2007. Foi condenado a 104 anos de prisão.
Em parceria com a psicóloga forense Maria Adelaide Caires, Ilana traçou o perfil do assassino. Ao analisar os laudos dos crimes, descobriu que se tratava de um heterossexual, e não de um homossexual como os investigadores acreditavam. O caso lhe rendeu uma medalha da Polícia Civil do Pará e um prêmio do FBI durante um congresso entre peritos. Recentemente, subiu ao palco para apresentar esse estudo aos participantes do 20º Congresso Nacional de Criminalística e o 3º Internacional, realizados em outubro, em João Pessoa. De todos os peritos criminais que lá estavam, era a única que não tinha especialização oficial.
Por não fazer parte dos quadros formais da perícia, Ilana não ganha honorários pelo seu trabalho. Quando é chamada para auxiliar em algum caso, tem apenas os custos da viagem, estadia e alimentação pagos. "O importante para mim é que me dão a grande oportunidade de ganhar experiência e ter acesso às histórias", diz ela, que faz pós-graduação em Criminologia no Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
Seu próximo livro já está a caminho: ela vai contar a dinâmica do júri no caso Nardoni, explicando como funciona essa comissão, pouco conhecida pela população.
Ciça Vallerio
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