O último dia do ano não é o último dia do tempo.
Outros dias virão e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis, farás viagens e tantas celebrações de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia e coral, que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor, os irreparáveis uivos do lobo, na solidão.
O último dia do tempo não é o último dia de tudo. Fica sempre uma franja de vida onde se sentam dois homens. Um homem e seu contrário, uma mulher e seu pé, um corpo e sua memória, um olho e seu brilho, uma voz e seu eco, e quem sabe até se Deus...
Recebe com simplicidade este presente do acaso. Mereceste viver mais um ano. Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte, mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo, e de copo na mão esperas amanhecer.
O recurso de se embriagar. O recurso da dança e do grito, o recurso da bola colorida, o recurso de Kant e da poesia, todos eles... e nenhum resolve.
Surge a manhã de um novo ano. As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma. Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida. A boca está entupida de vida. A vida escorre da boca, lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.
Carlos Drummond de Andrade
2 comentários:
Olá Leonardo. Quero te desejar um ano bom cheio de boas energias, saúde e muita inspiração. Foi um prazer compartilhar com você o espaço virtual e que venha mais! Um grande beijo!
Berenice
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«`“·. ♥Feliz Ano Novo! ♥ .·“´»
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Un Ano Novo maravilhoso!!
Gi!
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