14 de abr. de 2010

Capitu traiu ou não traiu?

Capitu traiu ou não traiu? É a pergunta que todos os leitores de Dom Casmurro, romance de Machado de Assis publicado em 1899, fazem a si mesmos quando fecham o livro. Há quem diga que todas as pistas da traição da esposa de Bento Santiago estão espalhadas pelo romance em profusão absurda. Mas há também aqueles que afirmam que a traição não passa de uma invenção da mente doentia do protagonistanarrador, que através das páginas do livro vai nos contando a história de seu relacionamento com a esplêndida Capitu, desde a mais tenra infância dos dois. Sendo o livro narrado exclusivamente pela ótica de Bentinho, um velho que olha para o passado com a frustração de quem não soube aproveitá-lo quando era presente, é impossível encontrar solução para alguns dos mistérios que permeiam o romance, todos ligados, de alguma forma, a um possível adultério cometido por Capitu com Escobar, o melhor amigo de Bento. Todo o romance é embasado numa linguagem finamente irônica, típica de Machado de Assis e seus personagens, uns tipos que são, a um só tempo, caricaturas arquetipizadas e seres humanos que poderiam perfeitamente ter existido à época, desfilam diante do leitor trazendo à tona uma trama que jamais se esgotará de interpretações e questões tratadas com tanta profundidade que não seria possível que o livro fosse menos do que um clássico. Mestre em escarafunchar o humano e de zombar de suas psicologias, Machado de Assis recria os costumes de sua época se valendo da hipocrisia e do cinismo social para escrever num tom que sempre dança entre a ironia e o sarcasmo, sem jamais chegar a extremos e sem jamais permitir que o leitor tenha certeza de que lado de suas dubiedades está correto e do que é afirmação e o que é eufemismo. Com Capitu, a adaptação de Dom Casmurro em microssérie centrada na mais famosa personagem do romance, a discussão sobre o livro se reacendeu e novas leituras e interpretações da obra maior de Machado de Assis foram feitas. Assim como o escritor inovou na parte técnica do romance, fazendo com que o narrador conversasse diretamente com o leitor, dentre outras inovações, a série foi feita de forma nunca antes vista na televisão brasileira, com uma estética completamente nova e dispensando o recurso de adaptação das falas: os personagens entoavam o texto Revista Literatura " Capitu chamava-me às vezes bonito, mocetão, uma flor; outras pegava-me nas mãos para contar-me os dedos. E comecei a recordar esses e outros gestos e palavras, o prazer que sentia quando ela me passava a mão pelos cabelos, dizendo que os achava lindíssimos. Eu, sem fazer o mesmo aos dela, dizia que os dela eram muito mais lindos que os meus.
Então Capitu abanava a cabeça com uma grande expressão de desengano e melancolia, tanto mais de espantar quanto que tinha os cabelos realmente admiráveis; mas eu retorquia chamandolhe maluca. Quando me perguntava se sonhara com ela na véspera, e eu dizia que não, ouvia-lhe contar que sonhara comigo, e eram aventuras extraordinárias, que subíamos ao Corcovado pelo ar, que dançávamos na Lua, ou então que os anjos vinham perguntar-nos pelos nomes, a fim de os dar a outros anjos que acabavam de nascer.
Em todos esses sonhos andávamos unidinhos. Os que eu tinha com ela não eram assim, apenas reproduziam a nossa familiaridade, e muita vez não passavam da simples repetição do dia, alguma frase, algum gesto. Também eu os contava. Capitu um dia notou a diferença, dizendo que os dela eram mais bonitos que os meus; eu, depois de certa hesitação, disse-lhe que eram como a pessoa que sonhava... Fez-se cor de pitanga." Machado de Assis

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