23 de dez. de 2010

O futuro de cada um de nós


Se considerarmos que o que existe mesmo é o presente, por que dizem que é tão importante viver o tempo futuro? 


Qual é, afinal, nossa conexão com um tempo que ainda não existe e que nem sabemos se existirá? Acompanhe esta história: o Paraná tem um símbolo que é praticamente desconhecido fora daquele estado: a gralha-azul. 


Trata-se de uma ave da família dos corvídeos, que encanta pela beleza de suas penas azuis, gradualmente mais escuras na cabeça e no peito. Para os paranaenses, esse animal-símbolo é tão importante que, diz a lenda, um caçador que tente acertá-lo com um tiro verá sua espingarda negar fogo ou até explodir, pois a gralha-azul é protegida dos espíritos da floresta das araucárias. 


 Tal devoção deve-se a uma característica do pássaro: ele é o responsável pela disseminação da Araucaria angustifolia, o majestoso pinheiro paranaense, que já recobriu a quase totalidade daquele estado e também de boa parte de toda a região Sul e de São Paulo. 


 O detalhe curioso fica por conta do método empregado pela gralha: ela enterra os pinhões e, destes, nascerão novos pinheiros. Trata-se então de uma semeadora compulsiva e incansável, que dedica sua vida à proliferação da bela árvore. A explicação para tal comportamento é que a gralhinha tem duas características: preocupação com o futuro e péssima memória. Enterra as sementes com a intenção de guardá-las e consumi-las mais tarde, mas esquece-se de onde as guardou, possibilitando assim sua germinação. 


 A gralha-azul é um dos poucos exemplos que colhemos no mundo natural de animal que tem preocupação com o futuro. Bichos têm consciência do presente, do aqui e agora, das necessidades imediatas, mas, com raras exceções, como a do pássaro sulista, vivem em total despreocupação com o dia de amanhã. Não conhecem tempo, não têm noção de futuro e, do passado, guardam apenas as memórias que reforçam seus instintos. E é nesse capítulo que encontramos um imenso diferencial humano: nós, sim, conhecemos o conceito de tempo. 


Sabemos que o presente em que nos encontramos tem conexões com um tempo que passou e com um tempo que virá. Nunca saberemos quando o homem começou a ter tal noção de tempo, mas sabemos que somos a única espécie dotada de consciência temporal. A memória do passado e, principalmente, a imagem do futuro são qualidades mentais sofisticadas demais para qualquer outra espécie que não a humana. Nosso córtex cerebral é a parte mais elaborada de nosso cérebro e, com tais características, é uma exclusividade humana. Uma das qualidades do córtex é a análise de um número muito maior de variáveis a cada processo de tomada de decisão, entre elas, o tempo. Somos capazes, por exemplo, de adiar o prazer, e até aceitar algum sofrimento, desde que ele esteja a serviço de um futuro mais prazeroso. Essa é uma das vantagens competitivas que nos permitiram assumir uma posição de mando e controle no planeta, ainda que haja tanto descontrole. Entretanto, mesmo entre nós, racionais, conscientes de nossa posição neste mundo e neste tempo, há variações na maneira de fazermos conexões com o futuro. Pelo menos três categorias são bastante claras, e, entre elas, diferentes graus de profundidade podem ser identificados: o descaso, a previsão e a construção. Vamos a elas. 


 • O descaso: Nesta categoria colocamos todos os que não se preocupam com o futuro, apesar de saberem que ele existe. Pare estes cabe a expressão latina carpe diem, que quer dizer “viva o presente”. É uma recomendação que se faz à pessoa que diz que será feliz, ou realizada, ou tranquila, “quando” acontecer alguma coisa. Quando se formar, quando comprar sua casa, quando ganhar dinheiro, quando casar, quando... Para esse tipo de pessoa, a felicidade é um projeto e não o que deve ser, um estilo de vida. Para uma pessoa assim, carpe diem nela! O carpe diem com recomendação para que se aproveite o presente é excelente, mas, como desculpa para ignorar o futuro, pode virar uma armadilha. 


O que não dá para esquecer é que o futuro vai virar presente, e que este será melhor ou pior a depender das ações de hoje. Tudo está conectado, um ato de hoje terá repercussão amanhã. Dizem os historiadores que a queda do Império Romano teve início no momento em que o carpe diem deixou de ser apenas um conselho e acabou por se transformar em filosofia de vida, seguida pelo imperador e, claro, por seus súditos. A despreocupação com o futuro cobrou, daquela gente, um pesadíssimo pedágio. 


 • A previsão: O futurólogo Michiu Kaku disse: “Previsão é uma coisa muito difícil, especialmente quando é sobre o futuro”. Mesmo assim, é a isso que esse professor do City College de Nova York se dedica, a prever o futuro, atendendo a um dos mais antigos desejos humanos. A História está repleta de exemplos de tentativas de previsão, dos antigos gregos em seus oráculos até a atualidade, quando cérebros privilegiados dedicam sua energia a apreciar uma paisagem ainda inexistente. 


 Nos oráculos gregos, era comum a presença das pitonisas, as sacerdotisas que previam o futuro. Para essas pessoas, prever tinha a ver com adivinhar, portanto havia algo de sobrenatural. Entretanto, a previsão do futuro não precisa habitar o reino da magia; pode viver na realidade, no reinado da lógica, vestindo a roupagem da ciência. Economistas, cientistas, sociólogos, empresários e outros tantos profissionais exercitam a arte e a ciência de prever, ainda que com parcimônia. Nesse campo, duas são as possibilidades. 


 A primeira é forecast, do inglês “previsão”. Muito utilizada por todos aqueles que não desejam ser surpreendidos por fatos que poderiam ter sido previstos. Preferida dos economistas, sonda o futuro com as ferramentas dos dados, informações, gráficos. Podemos prever a inflação, a reserva de petróleo, a quantidade de chuva. Em todos esses casos, a previsão baseia-se em séries históricas anteriores, tendências concretas, análises científicas. 


 A segunda é foresight: outra palavra inglesa que também significa previsão. A diferença é que, nesse caso, a previsão não se vale de dados, mas de sentimentos; algo que poderia também ser chamado de intuição. Mas não há nada de místico nessa abordagem do futuro. A intuição, então, deriva da experiência de vida. E também de sua integridade mental, da qual fazem parte a serenidade e a calma interior. Pessoas que dominam sua área de atuação devem ser respeitadas quando se referem ao futuro. Em geral esses profi ssionais não são pegos de surpresa, pois têm, a seu favor, a consistência do forecast e a concordância do foresight. 


Imagine um empresário que diz: “O mercado continua consumindo este produto, e a tendência é que a demanda se amplie no próximo ano”. Acaba de usar o forecast. Se ele continuar seu raciocínio e disser algo como: “Mas, apesar de ainda termos estoque, acredito que devemos lançar já a segunda versão do produto”, estará usando seu foresight, seu faro empresarial. 


 • A construção: Já se disse que a melhor maneira de prever o futuro é construí-lo. E, nesse caso, estamos falando da capacidade excessivamente humana da sonhar e, claro, transformar o sonho em realidade. O homem é o único animal que tem noção de futuro, e é também o único ser capaz de exercitar a imaginação. A essa combinação maravilhosa damos o nome de sonho, que nada mais é que a imagem cristalizada de um futuro ideal. Shakespeare escreveu: “Somos feitos da mesma matéria que compõe os nossos sonhos!” 


Com essa afirmação, conferiu uma nobreza à qualidade de sonhar. Mas, se todos sonhamos – pois não se trata de uma prerrogativa e sim de uma qualidade –, por que nem todos realizamos nossos sonhos? É que sonhos são como deuses, só existem enquanto acreditamos neles, e é forte a tendência de as pessoas sonharem com aquilo em que elas não creem. Quem não sonha e não tem objetivos claros tateia na incerteza. Charles Dogson foi um matemático inglês especializado em lógica matemática que gostava de trilhar pelo tema que aproxima lógica de futuro. 


E, para falar sobre a lógica e a vida com as crianças, escrevia livros sob o pseudônimo de Lewis Caroll, sendo o mais conhecido Alice no País das Maravilhas. Nele há um diálogo impagável em que Alice, perdida, pergunta ao gato de Cheshire qual caminho deve seguir. O gato questiona então para onde ela deseja ir, e Alice responde que não tem certeza. Isso leva o felino falante a comentar: “Se você não sabe para onde quer ir, qualquer caminho serve”. 


 Após dizer isso, o gato desaparece, mas deixa visível seu sorriso sarcástico, diante de uma Alice completamente atônita. É a metáfora explicando a atitude do mundo diante dos que não sabem aonde desejam chegar – ri sarcasticamente. Tema de refl exão para quem deseja pensar estrategicamente – ou a lógica do futuro ou o sarcasmo do gato de Cheshire. 
Eugenio Mussak

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