painting by John Atkinson Grimshaw |
"As essências das coisas nos são desconhecidas".
Esta sentença não se encontra numa Crítica da Razão Pura de Kant, mas nas Quaestiones Disputatae de S. Tomás de Aquino.
Precisamente esta é a razão, prossegue ele, pela qual também os nomes que damos às coisas não lhes podem penetrar a essência. Se chamamos lapides às pedras porque elas podem "ferir o pé" (laedere pedem), com isto, como é óbvio, não expressamos o que uma pedra propriamente é. É sabido que essas etimologias dos pensadores medievais são quase sempre irremediavelmente falsas. Mas a sentença continua sendo verdadeira: nossos nomes não penetram no núcleo do que queremos denominar!
No entanto, há, ao que parece, gradações. Seja como for, em nossa consciência, certos nomes, mais do que outros, guardam com as coisas que denominam uma relação mais essencial, mais profunda, mais difícil de apagar. Mostram-me, por exemplo, um mineral, e eu digo: "uma pedra preciosa" [orig.: Edelstein).
Naturalmente, mal posso imaginar que esta palavra [Edelstein] algum dia seja esquecida, que me escape da memória. Agora, que esta pedra em particular se chame "alexandrita" e que tenha sido assim denominada por causa do assassinato do czar Alexandre II, isto já é mais fácil de esquecer. Parece que tais nomes, só frouxa e circunstancialmente ligados às coisas, são os que se desvanecem quando nossa memória começa a falhar, enquanto os mais essenciais se fixam e se tomam indeléveis, inesquecíveis. Pouco antes de sua morte, e estando aliás totalmente lúcida, minha mãe perguntou como ela propriamente se chamava: estava claro que tinha estado a pensar nisto por muito tempo.
Quando lhe disseram seu nome, respondeu que isso, evidentemente, ela sabia, o que ela queria era o "outro" nome, do qual já não conseguia lembrar-se. Com efeito, ao casar, ela tinha, conforme o costume, adotado o nome de família de meu pai, que provavelmente procede de algum desconhecido tocador de gaita da cidade - e isso nada tinha que ver com o que ela representava, e realmente era, enquanto pessoa.
Por outro lado, também se compreende perfeitamente a susceptibilidade com que o jovem Goethe reagiu contra os jocosos trocadilhos que Herder fazia com seu sobrenome: "porque o nome do um homem não é algo assim como um casaco sobreposto que se possa puxar e repuxar, mas uma roupa bem ajustada, aderida como uma pele, que não se pode raspar e maltratar sem que se fira o próprio homem". Já a Igreja considera, ao que parece, o pré-nome, aquele que se recebe no Batismo (e que em inglês se chama the Christian name) como o mais essencial, o que mais profundamente designa a pessoa.
Se bem que cabe perguntar como o fato de se pôr alguém sob a proteção de um padroeiro pode realmente afetar ou modelar esse alguém. Seja como for, na liturgia de defuntos se dirá: "Lembrai-Vos, Senhor, do Vosso filho Josef que chamaste deste mundo à Vossa presença...". Num templo budista japonês mostraram-me centenas de plaquinhas douradas com os nomes dos mortos, por quem os monges oravam. Estava escrito nessas plaquinhas não o nome civil - nem o nome, nem o sobrenome -, mas um nome "novo", que o morto recebia só depois da morte, numa cerimônia ritual própria. Enquanto eu contemplava aqueles caracteres estranhos para mim, veio-me à mente a sentença bíblica do profeta Isaías: "Eu te chamei pelo teu nome". É sem dúvida este o nosso verdadeiro nome; só ele nomeia com precisão aquilo que na verdade somos. Só que este nome ainda nos é desconhecido...
Josef Pieper
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