28 de abr. de 2011

O vôo de Gagarin


Há exatamente meio século um astronauta com fisionomia de menino escapou das garras gravitacionais da Terra e, do topo da atmosfera, disse uma frase curta e poética que ficaria gravada pela história: “a Terra é azul”.

Os físicos já sabiam que a Terra é azul por um efeito conhecido como espalhamento da luz.

Ocorre que o comprimento de onda mais curto da luz solar é rebatido por átomos de gases atmosféricos que atuam como se fossem pequenos espelhos.

Um espelho rebate no outro que rebate no outro que rebate no outro, quase ao infinito...

O resultado disso é que o azul se espalha e domina a atmosfera.

O mesmo efeito (espalhamento da luz) faz com que o Sol apareça rubro ao amanhecer e anoitecer, mas exibe uma luz branca quase impossível de ser encarada a olho nu (sem proteção de filtro) durante a maior parte do dia.

Aqui o que ocorre é que para um determinado observador o sol nascente ou poente é visto por uma camada mais espessa da atmosfera, o que faz com que o azul seja rebatido no topo e apenas o comprimento de onda vermelho (mais longo, portanto menos energético) atravesse a atmosfera.

Iuri Gagárin, o primeiro astronauta (cosmonauta, na terminologia astronáutica da então União Soviética) era de fato um garoto.

Tinha 27 anos, idade que hoje caracteriza um adolescente e era pequeno como um menino.

A razão disso é que um astronauta compridão, alto como um jogador de basquete, não caberia na pequena Vostok, a nave em que ele viajou, com pilotagem feita pelo controle de vôo em terra.

Meio século depois, Iuri Gagárin não diz nada para milhões (talvez bilhões) de jovens em todo o mundo.

Como isso pode ser possível?

Gagárin, em seguida ao seu vôo, acabou alçado à condição de semideus e foi mais famoso que Michael Jackson, Bono Vox, Madona e uma constelação de estrelas atuais juntas.

Ele foi uma espécie de supernova, uma estrela massiva que, quando explode, brilha mais que uma galáxia inteira.

Gagárin abriu as portas do espaço cósmico para a humanidade inteira, embora seu vôo tenha resultado de uma queda de braços entre a União Soviética e os Estados Unidos, durante a Guerra Fria.

A Guerra Fria, talvez uma multidão de jovens também desconheça, foi o período que se seguiu ao fim da Segunda Guerra Mundial, quando as então superpotências, União Soviética e Estados Unidos, se opuseram como adversários dispostos a destruir o planeta para fazer valer suas ambições de poder.

Foi nesse ambiente de destruição iminente que floresceu a contra cultura, o movimento hippie, o consumo inocente de drogas (certamente nada tão demolidor quanto o crack que agora exala das vielas mal iluminadas de qualquer cidade do mundo). O pacifismo e o rock and roll cantado por uma infinidade de bandas de enorme criatividade.

Beatles, Rolling Stones (agora inofensivos e diluídos como medicamento homeopático) Pink Floyd e pelo menos uma centena de outros, apenas para se referir aos que brilharam como estrelas de primeira magnitude.

Todos os homens antes de Gagárin (Platão, Shakespeare, Darwin, Einstein e Jesus Cristo, ao menos na sua porção humana, de acordo com o cristianismo) estiveram confinados à prisão gravitacional da Terra.

Gagárin havia sido o único a se libertar dessa longa prisão, desde que o primeiro homem caminhou pela superfície da Terra.

As gerações atuais que desconhecem Gagárin (apesar de uma rede de comunicação inédita e em escala global) são ignorantes?

Nada disso.

Os jovens, pela própria natureza da juventude, são os que constroem o futuro e por isso mesmo questionam o presente.

Jovens e não tão jovens, no entanto, vivem uma vida preenchida por pura banalidade, um dos resultados do que Francis Fukuyama (ideólogo do governo Reagan), chamou de “fim da história”, o triunfo do neoliberalismo, da “mão invisível” do mercado.

Os heróis que essas gerações reconhecem são as figuras efêmeras e mal construídas das novelas das sete, oito, nove ou dez...

Uma infinidade de bugigangas como telefones que fotografam e uma montanha de outras tolices com vida útil de poucos meses são os estofos de boa parte da vida de certamente a maior parte da vida das pessoas que vivem agora no planeta.

Daí Gagárin ser um esquecido.

A história deixou de fazer sentido...

A exploração da Lua, que resultou da saída humana para o espaço, estranhamente soterrou o futuro no passado.

Já estivemos no futuro, com as naves Apollo riscando o céu como um meteoro artificial.

A Lua está vazia como uma garrafa sem fundo.

Quando retomaremos o futuro?

Talvez no momento em que a história retomar seu poder de (re) criação
Ulisses Capozzoli

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