25 de dez. de 2011

Como sobreviver à ceia de fim de ano

Quase todas as famílias têm histórias lendárias dos encontros de fim de ano. 

Episódios de desentendimentos, revelações bombásticas ou escândalos causados por bebedeira. Gente que não se via há muito tempo se reencontra. 

Parentes que nunca se deram bem jantam juntos. Com o potencial de confusão dos encontros emocionantes, e as expectativas geradas pelo Natal, os indivíduos tendem a ficar mais frágeis. “O fim de dezembro marca o final de um ciclo, do ano”, diz a psicoterapeuta Beatriz Cardella, de São Paulo. As pessoas fazem um balanço do que conquistaram ao longo do ano e da vida. “A gente se recorda de um tempo que passou, acaba pensando na morte. Isso mexe com a emoção das pessoas.”

A seguir, o conselho de especialistas para não deixar que mal-entendidos, bebedeiras e mau humor estraguem sua festa de fim de ano.

1. Não guarde revelações bombásticas para o Natal
Fernanda era a queridinha da família. Primeira da classe, só aparecia com namorados que encantavam as avós e despertavam a inveja das primas. Na faculdade, sua monografia, de tão brilhante, foi publicada como livro. A dissertação era sobre casamentos homossexuais. O tema passou despercebido na época, mas seria pauta do Natal, seis anos mais tarde. O mais dramático na história da família Queiroz.
Advogada, Fernanda tinha uma amiga muito próxima, Patrícia Ferraz. A moça era cantora de sucesso no Norte do Brasil. Com o tempo, a moça começou a frequentar as festas da família e foi contratada para cantar na comemoração de 50 anos da mãe de Fernanda. A mocinha era querida por todos. Na noite de 24 de dezembro de 2006, virou vilã. Pouco antes da ceia, Fernanda chamou o pai e a mãe em seu quarto e disse: “Sou homossexual e estou saindo de casa para viver com minha namorada, a Patrícia”. Diante de olhares desnorteados, ela continuou: “Não quero que ninguém entenda. Só que respeitem”. A reação dos pais foi a pior possível. A mãe saiu correndo e gritando na chuva. O pai parou de falar com ela.

A escolha de Fernanda, fazer uma revelação importante na reunião de fim de ano, é comum. “A pessoa tem tanto pavor do que guarda para contar que prefere que todos saibam de uma vez”, diz a psicanalista Gisela Haddad, de São Paulo. A ceia de fim de ano não é o momento para esse tipo de revelação. Os familiares costumam estar mais emotivos, e o consumo de álcool torna as reações mais intensas. Para dar notícias polêmicas ou importantes, o ideal é aguardar o momento mais calmo, com privacidade.

2. Recorra a alguém calmo e sóbrio para esfriar os ânimos
Na família da professora de dança Érika Viana, o excesso de álcool já estragou um Natal, há dez anos. “Meu tio chegou bêbado na ceia e começou a brigar com minha mãe de criação. Eles discutiram, e ele partiu para cima dela com uma faca”, diz Érika. Os dois caíram, quebraram uma porta de vidro, derrubaram plantas e se machucaram. Os tios sóbrios separaram a briga, mas a festa acabou. “Depois desse Natal, todo mundo ficou mais cauteloso”, afirma ela. “Meu pai adotivo, que é sempre calmo, trata de manter os ânimos sob controle no menor sinal de conflito.”

Gente calma, como o pai de Érika, é peça-chave em encontros de família. O estresse do fim do ano, a lembrança de discussões passadas entre parentes ou o uso exagerado do álcool são fontes férteis de desentendimentos. “É preciso ter alguém calmo, que inspire confiança, para não deixar o clima pesar”, diz Beatriz Cardella.

3. Use o bom humor para superar os constrangimentos
Na casa de Rosana Coelho, um caso pitoresco tornou-se inesquecível. Ela sempre preparava a ceia para receber toda a família: pais, filhos, sobrinhos e tios. No Natal de 2006, deixou a porta de casa aberta, disse a seus filhos que recebessem os que fossem chegando e foi se arrumar, com o marido. Quando voltou, uma surpresa: “Já tinham comido mais da metade da ceia. Quis matar todos eles. Muita falta de consideração.” Seu marido e ela ficaram com raiva no momento, mas resolveram fazer piada com a situação. “Hoje, a história é contada em meio a gargalhadas.”

Há duas formas de lidar com situações como essa: descontração ou drama. Escolher como reagir diante dessas circunstâncias define o perfil das reuniões e dos encontros familiares. “Muitas famílias conseguem minimizar os efeitos de desentendimentos, discussões e indelicadezas fazendo com que o bom humor se sobreponha às diferenças e às tensões”, afirma Gisela Haddad. O psicanalista Luiz Alberto Py, do Rio de Janeiro, diz que o segredo para manter o bom humor, mesmo em situações com potencial de constrangimento, é ir de boa vontade. “Tem de ir com o coração aberto.”

4. Brincadeiras podem estimular o clima de descontração
Na família de Juninho Valadares, que mora em Oliveira, Minas Gerais, a ceia de Natal é antecedida por um tradicional amigo-secreto. No ano passado, Juninho foi sorteado para presentear a mãe e resolveu brincar com a matriarca. “Fui a um sex shop e comprei um pênis de borracha”, diz. “Na hora dos presentes, falei sobre as qualidades dela e entreguei o pacote.” Juninho conta que a mãe abriu e não conseguiu reconhecer o objeto. O marido também não. Ela agradeceu, como se fosse um microfone, e todos caíram na gargalhada. Quando entendeu o que era, escondeu o objeto atrás do corpo, e os poucos que ainda não riam não conseguiram mais se conter. “Foi o Natal mais divertido de nossa vida”, afirma Juninho.

Brincadeiras são boas para animar as reuniões. Mas é preciso cuidado com o tom. Juninho teve o tato de avisar a todos da família sobre a peça que pregariam na mãe. Ninguém se ofendeu por ela. “Lá em casa, mesmo as ameaças de conflito acabam virando piada. O clima é sempre de brincadeira.”

5. O sentimento de confraternização é o mais importante
A publicitária Ellen Teixeira nasceu no Rio de Janeiro. Seus pais são do interior de São Paulo. Na família dela, nunca existiu o hábito de cear no dia 24 de dezembro. Só um almoço no dia 25, quando sua avó preparava uma lasanha ou uma tortéi, prato típico do sul da Itália. Aos 6 anos de idade, passando o Natal só com os pais e o irmão no Rio de Janeiro, Ellen chamou os três para dizer que estava muito triste. “Falei que queria um peru na noite de Natal, porque todas as minhas coleguinhas comiam”, diz.

Seu pai, com os olhos marejados, saiu desesperado, às 8 da noite do dia 24, à procura de um peru, com medo de decepcionar a filha. Não encontrou. No auge da aflição, teve uma ideia: passou na padaria do lado de casa e comprou um frango assado. Chegando, entregou a Edna, mãe de Ellen, e disse que era o que tinha encontrado. Ela colocou o frango numa travessa, enfeitou com frutas cristalizadas e apresentou à filha como um “peru à toscana”. “Foi o melhor Natal da minha vida”, diz Ellen. Ela descobriu por meio de uma farsa o verdadeiro sentido do Natal.

Antes de reclamar da qualidade da comida, do presente, da decoração ou dos comentários insensíveis de algum parente, lembre que o mais importante dessa data é que todos ali fizeram algum esforço para estar juntos. O importante é confraternizar. “A tradição funciona como um polo agregador e inevitável. Todos se sentem melhor se puderem cumprir esse dever”, afirma Gisela. E vale a pena. Felizmente, as boas histórias de fim de ano são mais numerosas que as gafes.
Leopoldo Mateus

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