4 de fev. de 2013

O ontem fala mais alto


Em 1941, a viúva de José Cândido Xavier, Geni Pena, enlouqueceu. 

As rezas, os passes, as sessões de leitura do Evangelho no Centro Luiz Gonzaga foram inúteis. Chico teve de internar a cunhada num hospício em Belo Horizonte.

Arrasado, ele acompanhou a doente até o quarto, ficou ao seu lado algumas horas e voltou para casa à noite. Estava arrasado. O filho caçula da moça, paralítico, chorava na cama, sozinho. Chico se ajoelhou e começou a rezar. As lágrimas corriam, ele se lembrava do irmão, se sentia culpado, impotente.

De repente, Emmanuel entrou em cena, incomodado com a choradeira:
- Por que você chora?

Chico contou o drama da cunhada, lamentou a situação do sobrinho e foi interrompido por um sermão do recém-chegado:

- Não. Você está chorando por seu orgulho ferido. Você aqui tem sido instrumento para cura de alguns casos de obsessão, para a melhoria de muitos desequilibrados.
Quando aprouve ao Senhor que a provação viesse para debaixo de seu teto, você está com o coração ferido, porque foi obrigado a recorrer à assistência médica, o que, aliás, é muito natural. Uma casa de saúde mental, um hospício, é uma casa de Deus.

Chico ouviu as críticas em silêncio, mas, entre um soluço e outro, pediu a recuperação da cunhada o mais rápido possível.


O discurso se estendeu:
Imaginemos a Terra como sendo o Palácio da Justiça, e a mulher de José como sendo uma pessoa incursa em determinada sentença da justiça.


Eu sou o advogado dela e você é serventuário do Palácio da Justiça. Nós estamos aqui para rasgar ou para cumprir o processo?

Para cumprir respondeu Chico e, ainda aos prantos, insistiu: 
O senhor tem que saber que ela é minha irmã também.
Emmanuel perdeu a paciência de vez:
- Eu me admiro muito, porque, antes dela, você tinha lá dentro, naquela casa de saúde, trezentas irmãs e nunca vi você ir lá chorar por nenhuma.

A dor Xavier não é maior do que a dor Almeida, do que a dor Pires, do que a dor Soares, a dor de toda a família que tem um doente.

Se você quer mesmo seguir a doutrina que professa, em vez de chorar por sua cunhada, tome o seu lugar ao lado da criança que está doente, precisando de calor humano.
Substitua nossa irmã e exerça, assim, a fraternidade.

Chico engoliu o choro, enxugou o rosto e abraçou o sobrinho.
Com os braços e pernas atrofiados, a expressão atormentada, o filho de Geni Pena, Emmanuel Luiz, era o retrato do sofrimento.

Revirava-se na cama, contorcia-se em convulsões, sacudia- se em crises de choro. Um amigo de Chico ficou impressionado com o estado da criança.
Como Deus, tão onipotente, admitia tanta dor?

A resposta veio de acordo com a lógica espírita: você colhe o que planta. Cada um volta à Terra com as seqüelas provocadas por si mesmo em vidas anteriores.
Deus não tinha nada a ver com as tragédias alheias. Cada um é responsável pelo próprio céu ou inferno.
Emmanuel repetiria a Chico várias vezes:

- O ontem fala mais alto do que podemos admitir no tempo que chamamos hoje.
As vidas de Chico Xavier – Marcel S Maior

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