Detesto a expressão, mas vou usar: semana passada, o futebol brasileiro perdeu uma grande oportunidade para – desculpem – fazer história.
Não creio que a torcida do Real Garcilaso seja mais ou menos racista do que quase todas as outras do planeta – o que inclui as nossas. Não vi o jogo, mas é bastante provável que o time peruano tenha entrado em campo com mais negros que o Cruzeiro. E sou capaz de apostar que, se na saída do estádio os imbecis que imitaram macacos encontrassem Teófilo Cubillas – o maior jogador peruano de todos os tempos, e negro –, todos pediriam autógrafos e produziriam selfies abraçados ao ídolo.
Não há o que justifique a atuação da torcida do Real Garcilaso, mas antes que surja alguma proposta de ataque militar a Huancayo, quero crer que o objetivo ali era puramente futebolístico: desestabilizar o jogador, tirar-lhe o foco da partida e induzi-lo a erros. Vi Tinga declarar que ele até tentou esquecer as ofensas e se concentrar no jogo, mas tinha sido muito difícil. A abjeta estratégia dos torcedores do Real Garcilaso alcançara o que pretendia.
E foi aí que o futebol brasileiro perdeu o bonde.
Ao primeiro guincho da torcida peruana, caberia ao capitão do Cruzeiro, o bom goleiro Fábio, dirigir-se serenamente ao juiz e dizer que, naquele momento, seu time estava saindo de campo e abandonando a partida. (É por isso que capitães devem ser escolhidos criteriosamente, e precisam ter personalidade e autonomia para agir como legítimos representantes do clube dentro de campo.) Já que Fábio não tomou a atitude, ela teria que vir do treinador Marcelo Oliveira. Finalmente, com Fábio e Marcelo Oliveira compreensivelmente envolvidos pela pressão do jogo, seria obrigação do diretor de Futebol, Alexandre Mattos, ordenar a retirada.
Isto feito, os demais clubes brasileiros participantes da Libertadores – Atlético Mineiro, Atlético Paranaense, Botafogo, Flamengo e Grêmio – deveriam se juntar ao Cruzeiro e, com ou sem o apoio da pouco confiável CBF, exigir a eliminação sumária do Real Garcilaso do torneio. Caso contrário, os seis abandonariam a competição.
Os intransigentes defensores do futebol-negócio certamente irão argumentar com o montante de interesses em jogo. Mas, como diz a campanha publicitária do MasterCard, há coisas que não têm preço. E da mesma forma que a Nissan rescindiu seu contrato com o Vasco, devido aos constantes atos de selvageria protagonizados por uma das torcidas organizadas vascaínas, qual patrocinador não gostaria de ter sua imagem ligada aos times que tomassem a corajosa altitude?
Em vez disso, entretanto, ficamos sabendo que a CBF emitiu nota oficial onde “concita os órgãos com poderes disciplinares no âmbito da Confederação Sul-Americana de Futebol – CONMEBOL, a sancionarem energicamente os responsáveis pelo triste e lamentável evento”, e vimos que viraram notícias um telegrama de Joaquim Barbosa e uma tuitada da presidenta.
Para manifestações tão flagrantes de racismo em um esporte tão popular, é muito pouco. Perto do que o futebol brasileiro poderia e deveria ter feito, é nada. Só falta agora alguém organizar um protesto nas areias de Copacabana.
Jorge Murtinho
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