19 de mar. de 2009

Dilema de Pascal

Ao método geométrico de Descartes (esprit de géometrie), Pascal opõe o método afetivo (esprit de finesse); às idéias claras e distintas, as idéias emcionantes; à precisão da razão, o entusiasmo do coração. (Mondin, 1981). Pascal ao falar sobre o coração na sentença: "O coração tem razões que a própria razão desconhece", não se refere exatamente aos sentimentos, mas sim a um tipo peculiar de inteligência. (Gomiero, 1998). O coração está na fonte dos conhecimentos humanos de maior valor, conhecimentos que a razão não pode compreender nem justificar: as verdades da moral, da religião e da filosofia. À razão pertencem os conhecimentos científicos. Ponto de Partida da Apologética de Pascal O mecanismo e o racionalismo haviam esvaziado a noção de mundo físico, as de bem e de mal e a necessidade de o homem encontrar um apoio exterior a ele. "Para Pascal, esse ponto de apoio não estaria situado nem na natureza física, nem na natureza humana (razão), mas em Jesus Cristo. Desse modo, somente a religião daria respostas plenamente satisfatórias as questões colocadas pela condição humana." (Gomiero, 1998). O ponto de partida da apologética de Pascal (ou seu cogito) é a constatação da dualidade da natureza humana: o homem é um amontoado de misérias e de grandezas. Um rei sem trono, mas sempre um rei. Um caniço, mas um caniço pensante. O homem é um complexo de bem e de mal, digno ao mesmo tempo de respeito e de desprezo. Ao dualismo cartesiano de pensamento e extensão, Pascal opõe o dualismo de grandeza e miséria. À dúvida metódica de Descartes opõe uma desconfiança total na razão, no tocante à salvação eterna, que "não se encontra fora das vias ensinadas no Evangelho. (...) Que não se conserva senão pelas vias ensinadas no Evangelho. (...) Submissão completa a Jesus Cristo (...)." (Mondin, 1981). A razão pode, sem dúvida, tomar conhecimento da dualidade que dilacera a vida humana até em suas manifestações mais íntimas, mas não pode fazer nada para superá-la. Somente a fé cristã pode explicar ao homem a origem desta ruptura e dar-lhe a graça de saná-la. Com isso Pascal não quer afirmar que a razão não tenha nenhum valor. Ele não ensina o fideísmo, como se vê claramente pelo uso freqüente que faz de argumentos racionais para defender o cristianismo. Ele prova, por exemplo, a verdade do cristianismo mostrando que o dogma do pecado original é a única explicação suficiente para todos os males que afligem a humanidade. Prova, em outro lugar, a existência de Deus, aplicando a ela o cálculo das probabilidades. O argumento, em resumo, soa assim: "ninguém pode evitar o dilema: ou Deus existe ou não existe. É um problema que diz respeito à vida, não um problema puramente especulativo, uma vez que é necessário agir ou como se Deus existisse ou como se não existisse. A neutralidade é impossível: É necessário apostar; não está em nosso arbítrio; somos obrigados; que alternativa escolhemos?" (Pascal, 1966). Consideremos o dilema como um jogo no qual sairá cara ou coroa. "Em qual apostaremos?" Segundo a razão, não se pode apostar nem em uma nem em outra porque, segundo a razão, nenhuma das alternativas pode ser excluída. Apostaremos na que corresponde melhor aos nossos interesses. "Admitamos que Deus exista. Que coisa nos arriscaremos a perder se viveremos como se Deus existisse? Os prazeres e os bens do mundo, isto é, bens finitos. Que coisa ganharemos? Um bem infinito." Então, se ganharmos, ganharemos tudo, e se perdermos, não perderemos nada. Só nos resta, pois, apostar sem hesitação que Deus existe. Mesmo que se admitissem infinitas possibilidades negativas contra uma só favorável, ainda seria melhor apostar na existência de Deus, porque se tem pela frente uma eternidade de vida e de felicidade. Mas, na realidade, as probabilidades são finitas e o que se arrisca é finito em face de uma infinidade de vida infinitamente feliz. "Isto encerra o jogo: quando se trata do infinito e quando não existe infinidade de probabilidades de perda contra as de ganho, não há igualdade: convém dar todos os bens deste mundo pela vida eterna." (Mondin, 1981). Deste argumento e do tom geral da filosofia de Pascal segue-se que, mais do que opor a razão ao coração, ele quer integrar a razão com o coração; mais do que negar valor à demonstração, ele deseja completar a demonstração dialética com a dedutiva. Alguns "Pensamentos" "Digo em verdade que se todos os homens soubessem o que dizem uns dos outros, não haveria quatro amigos no mundo. Isso se vê pela querelas que provocam as indiscrições ocasionais." Os homens têm um grande defeito: falar demais. Faz uso do que "acha" ou sabe sobre o outro para fofocar, intrigar ou até mesmo difamar o mesmo. Se se soubesse o que os outros dizem, não haveria a amizade. "Contrariedade - O homem é naturalmente crédulo, incrédulo, tímido, temerário." "Descrição do homem - dependência, desejo de independência, necessidade." "Condição do homem - inconstância, tédio, inquietação." O homem é um ser muito complexo, inconstante. É um ser tão miserável que não consegue saber o que é e o que quer. "Divertimento - Não tendo conseguido curar a morte, a miséria, a ignorância, os homens lembraram-se, para ser felizes, de não pensar nisso tudo." O homem vendo que é incapaz de solucionar todos os problemas e que isso o aborrece, para ser feliz ignora-os. "Que cada qual examine os seus pensamentos, e os achará sempre ocupados com o passado e com o futuro. Quase não pensamos no presente; e, quando pensamos é apenas para tomar-lhe a luz a fim de iluminar o futuro. O presente não é nunca o nosso fim; o passado e o presente são os nossos meios; só o futuro é o nosso fim. Assim, nunca vivemos, mas esperamos viver, e, dispondo-nos sempre a ser felizes, é inevitável que nunca o sejamos." O homem está tão preocupado com o passado e com o futuro que esquece de viver o presente. Esquece também que o passado não pode ser mudado. E que se o presente não for vivido como se deve, alterará o futuro. "A sabedoria envia-nos à infância. Se não vos converterdes e não tornardes crianças não entrareis no reino dos céus." "Quanto é difícil propor uma coisa ao julgamento de outra pessoa sem corromper-lhe o julgamento pela maneira pela qual a propomos." O homem ao propor uma coisa ao julgamento de outro narra o fato sob o seu ponto de vista, por mais que queira se manter indiferente. "Quando se lê depressa ou muito devagar, não se entende nada." Ao ler muito rápido não há concentração para interpretar o que se lê. Ao ler muito devagar presta-se mais atenção no significado de cada palavra e não do conjunto como um todo Comentários finais O gênio Blaise Pascal apresenta uma obra científica fragmentada e inacabada. Esbanjando magnificamente seu gênio, Pascal se limitou a apontar caminhos novos, que imediatamente abandonava. Seus sucessores, tais como Leibniz, percorreram-nos deslumbrados. Pascal foi sem dúvida o maior "poderia-ter-sido" da história da matemática: no entanto é um dos elos importantes no desenvolvimento da matemática. Após a sua conversão, Pascal passou a dedicar-se mais à reflexões filosóficas e teológicas. Suas obras nessa área (Pensamentos e as Provinciais) são temas de debate nas academias e congregações religiosas até hoje. Pascal em sua filosofia não quis opor a razão ao coração, e sim integrar ambos. E acreditava também ser a religião a única a dar respostas as questões colocadas pela condição humana. "Nascemos com um traço de amor em nossos corações, que se desenvolve na medida em que o espírito se aperfeiçoa e que nos leva a amar o que nos parece belo sem que jamais nos tenha dito o que é. Além disso, o amor e a razão não são opostos, porque o amor e a razão não são mais que a mesma coisa. Quanto maior o espírito, maiores as paixões." "A verdade de Deus não pertence a pura ordem geométrica nem a pura ordem física; o Deus vivo não é uma proposição nem um fenômeno. Deus deve ser sentido, e é o coração quem sente a Deus, não a razão. Esta é a fé: Deus sensível ao coração, não a razão (cf. Pensée, 278). Isto é, Deus não é sensível a razão geométrica dos matemáticos e dos dogmáticos, senão a razão concreta, ao pensamento que também é coração. Pascal se opoe totalmente a uma interpretação sentimentalista ou fideista do problema de Deus. Por outro lado, é necessário não esquecer que Pascal se volta ao ateu e quer persuadi-lo. É possível persuadir o ateu com os argumentos racionais? Não. É necessário que o ateu esteja disposto a recebê-los, que deseje a Deus." (Sciacca, 1955, p.226) Neste ponto, Pascal reconhece que A grandeza do pensamento reside na consciência da própria miséria. O homem sabe que é miserável: é pois miserável em quanto tal, mas é sublime porque o sabe. O homem é grande porque se reconhece desgraçado. (cf. Schurmann, 1946) "Este é o cristianismo defendido por Pascal: Deus consola com a dor, cura com o ferro e o fogo, desperta ao toque da trombeta, sacode com a guerra interior. O homem que não está em guerra consigo mesmo está em guerra com Deus, porque está em paz com o pecado. A guerra que fere nossa consciência é o sinal da graça divina; Deus nos chama e o mundo nos retém. A boa vontade do homem e a graça divina colaboram para que o desapego seja completo e alegre. Desde o cume da fé, não entre as ataduras e as leis mortais da sociedade humana, fundamentada na imaginação enganadora e na outra concupiscência, nos amamos e já não nos odiamos a nós mesmos: amamos aos outros homens e não nos afastamos deles. Se realiza o milagre da solidão cristã, a única que é comunhão de espíritos, a única povoada de caridade."(Sciacca, 1955, p.214) Para Pascal A fé é dom de Deus; jamais afirmaremos que é um dom da razão (cf. Pensée 279). "Para que Deus exista por convicção racional é necessário que inexista pelo movimento do coração que o busca. Deus está escondido não só para a razão, como também para o coração. (Sciacca, 1955, p.227) "O argumento da aposta vê chegado ao seu tempo quando se coloca o dilema entre o Deus do catolicismo e o nada. O argumento é uma aplicação do cálculo da de probabilidades ao problema da existência de Deus. Assim, pois, se move no âmbito da lógica matemática." (Sciacca, 1955, p.242) Somente dois tipos de pessoas podem ser razoáveis: as que servem a Deus com todo o coração porque o conhecem e as que o buscam com todo o coração porque não o conhecem. (Pensamentos, 194) "É vão tentar provar a existência de Deus com as obras da Natureza. Quem crê, quem tem viva no coração a fé, vê claramente que tudo que existe é unicamente obra de Deus. Mas em quem se encontra apagada a luz da fé, ausente a graça, ainda empregando toda sua inteligência na busca de algo que possa conduzi-los ao conhecimento de Deus, não encontram na natureza mais que escuridão." (Sciacca, 1955, p.225) "Por isto, o finito se anula ante o infinito, se faz o puro nada. Assim ocorre com nosso intelecto diante de Deus, e assim com nossa justiça diante da justiça divina. Sabemos que existe um infinito, mas ignoramos sua natureza. Sabemos que existe, mas não o que é. Do mesmo modo se pode saber que existe um Deus, sem saber o que é. Graças a fé conheceremos no céu a sua natureza. Por isto Deus é "infinitamente incompreensível." Quem poderia empreender a solução de um problema semelhante?" (Sciacca, 1955, p.242-242). O convite está feito, o desafio proposto: "Aposte pois, o libertino e esteja seguro de que em qualquer caso não ficara desiludido. A cada novo passo que deres por este caminho, descobrireis cada vez maior probabilidade de vencer, e cada vez mais a nulidade de tudo que arriscais: finalmente reconhecereis ter apostado por algo certo, infinito, em troca do qual não ofereceste nada." (Sciacca, 1955, p.255)

3 comentários:

Lucas disse...

Muito bom o matérial postado! Estou montando uma apresentação sobre realismo e empirismo. Tinha achado poucos argumentos a respeito de Blaise Pascal, você acabou colaborando de forma significativa na minha pesquisa. Obrigado!

Lucas disse...

Racionalismo*

André Luiz Rocha disse...

Poderíamos pensar que "o que existe, mas não se sabe o que é" não é sabido pela maneira interpretativa do percurso histórico? Ou seja, a questão do "conhecimento ou não de Deus" não nos parece uma questão de desvinculação histórica? Para finalizar, se não sabemos sequer da linha genealógica da nossa própria família, poderíamos, com discursos dogmáticos e vazios (e até mesmo científicos), chegar a uma suposta origem, que tão distante está? Parece-me que a discussão deve ser iniciada de outro modo, cada vez menos especulativa, cada vez mais prática e fundamental. Utilidade ou não de Deus é inferior à própria investigação sobre Deus. E investigar Deus é ir além do convencimento e do poder infinito, é entender quê sentimento é este que chamamos "Deus". Interessante seu texto Leonardo, pois abre várias possibilidades de pensamento.

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