Nos últimos 30, 40 anos, uma sede de espiritualidade se instalou no planeta, fazendo com que muitos ateus convictos voltassem a suas religiões de origem ou fossem buscar em formas religiosas alternativas respostas a suas inquietações interiores.
Contrariando Freud, que encarava a espiritualidade como um sintoma de imaturidade psíquica, pesquisadores respeitáveis, como o psiquiatra tcheco Stanislav Grof, garantem ser a dimensão espiritual uma instância fundamental da psique.
Contrariando Freud, que encarava a espiritualidade como um sintoma de imaturidade psíquica, pesquisadores respeitáveis, como o psiquiatra tcheco Stanislav Grof, garantem ser a dimensão espiritual uma instância fundamental da psique.
Negá-la nos tornaria irreparavelmente mutilados.Segundo o médico Claudio Lottenberg, presidente do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, 96% dos americanos acreditam em Deus e 90% rezam sistematicamente.
“Os que rezam fazem também por acreditar que suas preces têm um impacto sobre a saúde. Creio que esses dados podem ser estendidos ao Brasil”, afirma o médico.Mas, independentemente do motivo que a desencadeou, uma característica dessa nova espiritualidade é seu caráter ecumênico, menos preocupado em seguir o figurino de uma religião do que em combinar diferentes tradições. “Eu chamo essa tendência de bricolagem ou patchwork espiritual”, diz o pesquisador Frank Usarski, professor do programa de pós-graduação em ciência da religião da PUC de São Paulo.
“Ela leva em conta a liberdade do indivíduo na busca de seu caminho espiritual e está ligada à crise das instituições religiosas tradicionais. Explico: ioga, meditação, tarô, I Ching, carma, reincarnação etc. são práticas e conceitos cada vez mais usados de maneira isolada, sem nenhuma referência ao contexto histórico e sistemático em que originalmente surgiram.”É claro que essa tendência apresenta o risco da superficialidade, mas possui também um aspecto positivo, fazendo de cada um o sujeito de suas próprias escolhas.
Toda religião genuína nos traz uma parcela da verdade, adaptada ao tempo, ao lugar e às pessoas para as quais foi destinada. Por isso, as diferentes religiões não são excludentes, mas complementares. Jalal ud-Din Rumi (1207-1273), um grande místico e poeta sufi, declarou que existem tantos caminhos quanto caminhantes. Cabe ao indivíduo empreender sua própria viagem. Ligando o som para a música tocar sua alma, ficando quieto para ouvir o que há de mais profundo, observando a natureza ou indo para Santiago de Compostela.
No contraponto do som, a ausência deste também leva à abertura espiritual. A recitação musical dos sufis muçulmanos culmina no silêncio. A cabala judaica ensina que mais poderosa do que a prece pronunciada (constituída de sons articulados) e a prece mental (formada de pensamentos conscientes) é a prece silenciosa, realizada com a completa entrega ao divino. Por meio do silêncio, o praticante alcança um estado de consciência superior ao da fala e ao do pensamento.
Silencia para que algo maior se expresse.
É a esse estado superior de consciência que alude o Salmo quando diz: “Aquietaivos e sabei que eu sou Deus”.
Na Índia, esse silêncio verbal e mental é chamado de Mauna Yoga. Sri Aurobindo Ghose (1872-1950), um dos maiores iogues da era contemporânea, explica o poder de tal prática: “Quando o mental mergulha no silêncio é que, mais freqüentemente, se produz a completa descida de uma vasta paz, vinda do alto.
E, nessa vasta tranqüilidade, dá-se a realização do Eu silencioso, situado acima do mental”. Presentes em todas as religiões, eles são veículos que conduzem a Deus. A espiritualidade cristã afirma que, “no princípio, era o Verbo”, a palavra criadora de Deus. Também na espiritualidade indiana, o Aum ou Om, o Som Primordial, é considerado a primeira manifestação do divino.
Não se trata, é claro, do som articulado e audível, que necessita de um meio material para se propagar. Esse é apenas o quarto e último estágio do som. Aum ou Om é o primeiro. Não é a voz de Deus, mas a própria divindade em vibração.Pela repetição dessa sílaba, o iogue sintoniza sua consciência com o divino. Por isso, quase todos os mantras começam com Aum ou Om. O emprego do som como um veículo para estados superiores de consciência está presente em todas as tradições espirituais autênticas. O xamã antigo tinha suas canções de poder, recebidas do plano espiritual ou transmitidas pelos sons da natureza (o pio da coruja, o farfalhar do pinheiro etc.).
No candomblé afro brasileiro cada orixá é convidado a descer ao terreiro com um toque específico do atabaque. O emprego do som como um veículo para estados superiores de consciência está presente em todas as tradições espirituais autênticas. O xamã antigo tinha suas canções de poder, recebidas do plano espiritual ou transmitidas pelos sons da natureza (o pio da coruja, o farfalhar do pinheiro etc.). No candomblé afro-brasileiro cada orixá é convidado a descer ao terreiro com um toque específico do atabaque.
E os padres do monte Atos, na Grécia, até hoje alcançam o transe místico sincronizando a recitação da frase Kyrie eleison (“Senhor, tende misericórdia”) com o ritmo respiratório. Procedimento semelhante é adotado por cabalistas judeus e sufis muçulmanos. Recuperando sua força original, que nossa ruidosa civilização esqueceu, a palavra evoca (lembra) e invoca (chama) a presença divina. “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os mundos e os deuses.” E ssa frase foi escrita na porta do Oráculo de Delfos, na antiga Grécia. Cada vez mais parte da vida, não estranha que o tema espiritualidade esteja presente no espaço terapêutico. Podemos começar uma sessão tristes, angustiados com problemas de relacionamento – em casa ou no trabalho – e sair com algo além de alento. Além de reflexão também.
“As diferentes terapias têm como objetivo colocar o indivíduo em contato consigo mesmo. Se a essência de todo ser humano é o Espírito, então, qualquer terapia que realmente se aprofunde tende a ultrapassar as camadas superficiais da psique, palcos de conflitos secundários, e levar a pessoa ao encontro de sua dimensão espiritual”, diz a terapeuta corporal Márcia Micheli, que coordena grupos de respiração holotrópica, técnica desenvolvida pelo psiquiatra tcheco Stanislav Grof e sua esposa, Christina. O que a terapeuta nos recorda é que somos uma totalidade integrada, e não um conjunto de compartimentos estanques, como o dia-adia nos faz acreditar. Mesmo procedimentos que não tenham tal intenção podem constituir canais para a abertura espiritual. As peregrinações em busca de um sentido.As peregrinações aos lugares sagrados são um dos fenômenos espirituais mais impressionantes. Porém, mais importante do que chegar é ir.
E, não raro, a transformação que busca alcançar no santuário, o peregrino a obtém no próprio esforço por atingi-lo. A viagem exterior é apenas o símbolo de uma viagem interior.O mérito da jornada é trazer à tona qualidades como a aspiração espiritual, a concentração no objetivo a atingir e a entrega ao Divino, que normalmente permanecem soterradas pelos milhares de afazeres e distrações da vida cotidiana. Mas não é necessário ir a Santiago de Compostela, Meca ou Varanasi para que uma viagem acalente o coração. A boa viagem aguça as sensações, alarga os sentimentos, depura os pensamentos e abre as portas para a intuição, facilitando o encontro com a pessoa certa, que pode ser um guru a seu modo, ou a obtenção da resposta para aquela pergunta que sempre nos fizemos.Embora nem sempre seja fácil, deveríamos aprender a cultivar essas mesmas qualidades aqui e agora: na casa, na rua, no ambiente de trabalho.
E, com a atenção focada em nosso santuário interior, fazer de cada dia uma peregrinação. Há muitas formas de se encontrar consigo mesmo.Você pode sentar ou ficar em pé, aquietar-se numa postura confortável ou caminhar, fechar os olhos ou mantê-los abertos, isolar-se ou se dedicar a uma atividade prática, se manter em silêncio ou repetir uma frase sagrada. Com certa prática, você conseguirá meditar até enquanto aguarda sua vez numa sala de espera, realiza um trabalho doméstico e dirige seu carro. Em todas essas situações, acontece algo fundamental: a meditação adaptada a seu temperamento e momento de vida. Mas como saber se estamos realmente meditando? Talvez possamos aprender algo com as palavras de um mestre consumado da meditação, Sri Ramakrishna Parama hansa (1836-1886), considerado um dos maiores santos da Índia contemporânea: “Para meditar, deves recolher-te dentro de ti mesmo (...) e discernir sempre entre o Real e o irreal. Só Deus é Real, a Eterna Substância. Tudo mais é irreal, quer dizer, impermanente.
Discernindo assim, deves afastar da mente as coisas impermanentes”. A conexão entre o corpo e a alma fica ainda mais forte com a ajuda das práticas físicas. O que a ioga, o tai chi chuan e o kum nye tibetano têm em comum? “Os exercícios físicos proporcionam a força necessária para agüentar a abertura espiritual. É como se você reforçasse o filamento da lâmpada, capacitando-o a suportar uma carga elétrica maior”, compara a professora de ioga Sharana Devi, uma das representantes da kriya-ioga, de Babaji, no Brasil. “Outro benefício dos exercícios”, prossegue Sharana, “é equilibrar a polaridade existente em nosso interior, o yang e o yin, o masculino e o feminino, o assertivo e o receptivo. A contradição entre essas tendências é responsável por grande parte das turbulências da mente.
Equilibrando os opostos, os exercícios promovem o relaxamento e o silêncio interior necessários à experiência meditativa.” Assim como a alimentação correta, o contato com a natureza e o repouso apropriado, os exercícios nos ajudam a equilibrar os gunas, os três princípios que, segundo a antiga sabedoria indiana, regem todos os entes e fenômenos do mundo: a imobilidade (tamas), o movimento (rajas) e a sublimação (sattva). Com uma vida saudável, evitamos o predomínio excessivo de qualquer um desses princípios. Nem letárgicos (tamásicos), nem agitados (rajássicos), nem excessivamente etéreos (sattívicos), encontramos o ponto certo de equilíbrio físico, mental e espiritual.
Na Índia, esse silêncio verbal e mental é chamado de Mauna Yoga. Sri Aurobindo Ghose (1872-1950), um dos maiores iogues da era contemporânea, explica o poder de tal prática: “Quando o mental mergulha no silêncio é que, mais freqüentemente, se produz a completa descida de uma vasta paz, vinda do alto.
E, nessa vasta tranqüilidade, dá-se a realização do Eu silencioso, situado acima do mental”. Presentes em todas as religiões, eles são veículos que conduzem a Deus. A espiritualidade cristã afirma que, “no princípio, era o Verbo”, a palavra criadora de Deus. Também na espiritualidade indiana, o Aum ou Om, o Som Primordial, é considerado a primeira manifestação do divino.
Não se trata, é claro, do som articulado e audível, que necessita de um meio material para se propagar. Esse é apenas o quarto e último estágio do som. Aum ou Om é o primeiro. Não é a voz de Deus, mas a própria divindade em vibração.Pela repetição dessa sílaba, o iogue sintoniza sua consciência com o divino. Por isso, quase todos os mantras começam com Aum ou Om. O emprego do som como um veículo para estados superiores de consciência está presente em todas as tradições espirituais autênticas. O xamã antigo tinha suas canções de poder, recebidas do plano espiritual ou transmitidas pelos sons da natureza (o pio da coruja, o farfalhar do pinheiro etc.).
No candomblé afro brasileiro cada orixá é convidado a descer ao terreiro com um toque específico do atabaque. O emprego do som como um veículo para estados superiores de consciência está presente em todas as tradições espirituais autênticas. O xamã antigo tinha suas canções de poder, recebidas do plano espiritual ou transmitidas pelos sons da natureza (o pio da coruja, o farfalhar do pinheiro etc.). No candomblé afro-brasileiro cada orixá é convidado a descer ao terreiro com um toque específico do atabaque.
E os padres do monte Atos, na Grécia, até hoje alcançam o transe místico sincronizando a recitação da frase Kyrie eleison (“Senhor, tende misericórdia”) com o ritmo respiratório. Procedimento semelhante é adotado por cabalistas judeus e sufis muçulmanos. Recuperando sua força original, que nossa ruidosa civilização esqueceu, a palavra evoca (lembra) e invoca (chama) a presença divina. “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os mundos e os deuses.” E ssa frase foi escrita na porta do Oráculo de Delfos, na antiga Grécia. Cada vez mais parte da vida, não estranha que o tema espiritualidade esteja presente no espaço terapêutico. Podemos começar uma sessão tristes, angustiados com problemas de relacionamento – em casa ou no trabalho – e sair com algo além de alento. Além de reflexão também.
“As diferentes terapias têm como objetivo colocar o indivíduo em contato consigo mesmo. Se a essência de todo ser humano é o Espírito, então, qualquer terapia que realmente se aprofunde tende a ultrapassar as camadas superficiais da psique, palcos de conflitos secundários, e levar a pessoa ao encontro de sua dimensão espiritual”, diz a terapeuta corporal Márcia Micheli, que coordena grupos de respiração holotrópica, técnica desenvolvida pelo psiquiatra tcheco Stanislav Grof e sua esposa, Christina. O que a terapeuta nos recorda é que somos uma totalidade integrada, e não um conjunto de compartimentos estanques, como o dia-adia nos faz acreditar. Mesmo procedimentos que não tenham tal intenção podem constituir canais para a abertura espiritual. As peregrinações em busca de um sentido.As peregrinações aos lugares sagrados são um dos fenômenos espirituais mais impressionantes. Porém, mais importante do que chegar é ir.
E, não raro, a transformação que busca alcançar no santuário, o peregrino a obtém no próprio esforço por atingi-lo. A viagem exterior é apenas o símbolo de uma viagem interior.O mérito da jornada é trazer à tona qualidades como a aspiração espiritual, a concentração no objetivo a atingir e a entrega ao Divino, que normalmente permanecem soterradas pelos milhares de afazeres e distrações da vida cotidiana. Mas não é necessário ir a Santiago de Compostela, Meca ou Varanasi para que uma viagem acalente o coração. A boa viagem aguça as sensações, alarga os sentimentos, depura os pensamentos e abre as portas para a intuição, facilitando o encontro com a pessoa certa, que pode ser um guru a seu modo, ou a obtenção da resposta para aquela pergunta que sempre nos fizemos.Embora nem sempre seja fácil, deveríamos aprender a cultivar essas mesmas qualidades aqui e agora: na casa, na rua, no ambiente de trabalho.
E, com a atenção focada em nosso santuário interior, fazer de cada dia uma peregrinação. Há muitas formas de se encontrar consigo mesmo.Você pode sentar ou ficar em pé, aquietar-se numa postura confortável ou caminhar, fechar os olhos ou mantê-los abertos, isolar-se ou se dedicar a uma atividade prática, se manter em silêncio ou repetir uma frase sagrada. Com certa prática, você conseguirá meditar até enquanto aguarda sua vez numa sala de espera, realiza um trabalho doméstico e dirige seu carro. Em todas essas situações, acontece algo fundamental: a meditação adaptada a seu temperamento e momento de vida. Mas como saber se estamos realmente meditando? Talvez possamos aprender algo com as palavras de um mestre consumado da meditação, Sri Ramakrishna Parama hansa (1836-1886), considerado um dos maiores santos da Índia contemporânea: “Para meditar, deves recolher-te dentro de ti mesmo (...) e discernir sempre entre o Real e o irreal. Só Deus é Real, a Eterna Substância. Tudo mais é irreal, quer dizer, impermanente.
Discernindo assim, deves afastar da mente as coisas impermanentes”. A conexão entre o corpo e a alma fica ainda mais forte com a ajuda das práticas físicas. O que a ioga, o tai chi chuan e o kum nye tibetano têm em comum? “Os exercícios físicos proporcionam a força necessária para agüentar a abertura espiritual. É como se você reforçasse o filamento da lâmpada, capacitando-o a suportar uma carga elétrica maior”, compara a professora de ioga Sharana Devi, uma das representantes da kriya-ioga, de Babaji, no Brasil. “Outro benefício dos exercícios”, prossegue Sharana, “é equilibrar a polaridade existente em nosso interior, o yang e o yin, o masculino e o feminino, o assertivo e o receptivo. A contradição entre essas tendências é responsável por grande parte das turbulências da mente.
Equilibrando os opostos, os exercícios promovem o relaxamento e o silêncio interior necessários à experiência meditativa.” Assim como a alimentação correta, o contato com a natureza e o repouso apropriado, os exercícios nos ajudam a equilibrar os gunas, os três princípios que, segundo a antiga sabedoria indiana, regem todos os entes e fenômenos do mundo: a imobilidade (tamas), o movimento (rajas) e a sublimação (sattva). Com uma vida saudável, evitamos o predomínio excessivo de qualquer um desses princípios. Nem letárgicos (tamásicos), nem agitados (rajássicos), nem excessivamente etéreos (sattívicos), encontramos o ponto certo de equilíbrio físico, mental e espiritual.
3 comentários:
Ótimo!
Parabéns pela qualidade dos textos.
Dostoiévski
(http://www.cafedostoievski.info)
um texto de fácil entendimento, e excelente conteúdo, parabéns!
Essa idéia de equilibrar yin e yang é a maior mentira que existe. É a farsa do ocultismo de crowley, o maior embusteiro que existiu.
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