1 de abr. de 2009

Por que os vampiros não morrem

Uma criatura aterrorizante está em um quarto sombrio. Trata-se de um morto que, à noite, sai do túmulo para sugar o sangue dos vivos; em um palavra: um vampiro. Chama-se Conde Drácula, e sua intenção é morder o pescoço de Mina Harker. Ao fazer isso, Drácula a transformará, aos poucos, numa vampiresa. Processo que se acelera se Mina tomar o sangue desse ser imortal que pretende exercer poder irrestrito sobre ela. Mesmo assustada, Mina sente certo prazer. Retirada do romance Drácula, do irlandês Bram Stoker, essa é a descrição que abre o ensaio de Joan Acocella sobre a permanência dos vampiros no imaginário ocidental. Publicado na New Yorker, In The Blood - Why Do Vampires Still Thrill?, o texto de Acocella analisa o entusiasmo atual pelas lendas sobre os vampiros. O jornalista norte-americano vai à origem dos relatos sobre esses seres habitualmente descritos com olhos vermelhos, dentes pontiagudos, longas garras e um mau cheiro incrível - características que não anulam o desejo despertado por eles nas mulheres. As histórias lendárias concentram-se no Leste Europeu, onde também surgem os métodos para exterminar os vampiros - cravar-lhes uma estaca de madeira no coração, decapitá-los ou queimá-los. E, se possível, os três em sequência. A obra From Demons to Dracula: The Creation of the Modern Vampire Myth, de Matthew Beresford, cita uma crença sérvia segundo a qual os vampiros nascem de abóboras guardadas por mais de dez dias. Mas a figura que ainda mexe com os medos e desejos dos homens atuais se consagrou no século 19 - ela é filha do romantismo. No verão de 1816, o poeta inglês Lord Byron, enfrentando dificuldades matrimoniais, refugiou-se com seu médico particular, John Polidori, em Lake Geneva, localizado entre a Suíça e a França. No imóvel, Byron, Polidori e amigos como Percy Bysshe Shelley passavam horas falando de histórias de terror. Certa feita, Byron sugeriu a todos que inventassem as próprias narrativas fantasmagóricas. Apenas duas pessoas concretizaram a proposta. Amante de Shelley, Mary Godwin, então com 18 anos, escreveu o clássico Frankenstein (1818). E, aparentemente baseado num esboço de Byron, John Polidori inventou The Vampyre: A Tale (1819). O protagonista desse romance era um aristocrata orgulhoso e bem-apessoado, que atraía o desejo feminino. Nascia ali o vampiro moderno, farto material para poemas, peças teatrais, óperas, programas televisivos e filmes. Entre os mais de 150 filmes inspirados em Drácula, Nosferatu (1922), do cineasta alemão F.W. Murnau, é considerado pela crítica como a melhor produção. Nenhum dos milhares de livros que sucederam ao de John Polidori e tratam de vampiros fez o sucesso de Drácula, romance escrito por Bram Stoker em 1897. Joan Acocella arrisca explicações para o êxito, confirmado pela grande quantidade de estudos acadêmicos - alguns esdrúxulos, mais preocupados em difundir teorias sem fundamento. Um dos estudos, The Essencial Dracula, de Raymond T. McNally e Radu Florescu, diz que Drácula foi inspirado em Vlad Drácula, um príncipe romeno do século 15 que defendia seu território dos turcos invasores com o emprego de métodos cruéis, como o empalamento. Os dois professores do Boston College teriam baseado a tese em anotações de Bram Stoker. O método narrativo de Drácula, marcado pela multiplicidade de vozes, todas em primeira pessoa, é um dos motivos da popularidade, segundo Acocella. O narrador se assemelha à peça de um quebra-cabeça: "Nenhum dos narradores sabe o que os outros têm a contar aos leitores, e isso força uma leitura nas entrelinhas", escreve Acocella. O romance de mais de 400 páginas não perde a fluência, apesar dos defeitos, como as cenas supérfluas, o sentimentalismo e a retórica excessiva. No mais, a estrutura narrativa lacunar, à moda de um diário pessoal, dialoga com o momento histórico de Drácula - de grandes conquistas tecnológicas que, apesar das promessas, não amenizaram medos básicos do ser humano. Nascido na Inglaterra vitoriana, Drácula desafiou o racionalismo e a autoconfiança de um império que não via o Sol se pôr e que dominava a ciência. Esse poderio abalou valores antigos, ligados à religião, como a doçura, a reverência e a resignação. As invenções tecnológicas, como o trem a vapor, lançaram o homem num mundo novo. O desconhecido continuou a aterrorizar, talvez até com mais força. A razão, mostrando-se falível, não foi o melhor consolo. Nesse contexto, os personagens de Drácula, homens racionais e autoconfiantes do império britânico, foram levados a aceitar " que existe algo além do entendimento". E aqui se vai à essência. Os vampiros encarnam aquilo que mais ultrapassa a capacidade de compreensão: o desejo e a morte, faces da mesma moeda. Como símbolo, transmitem esse medo duplo. Abordam a dor provocada pela passagem destrutiva do tempo, essa sugadora da energia vital do homem semelhante à boca sedenta de um vampiro. Enfim, esses seres horripilantes representam a verdade amedrontadora - de que o indivíduo não passa de uma experiência única, causadora de grande perplexidade.
Francisco Quinteiro Pires

Um comentário:

Carvalho disse...

A-do-rei o texto!

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