Fui uma das primeiras meninas a usar calças jeans na minha pequena cidade. Uma de minhas avós, luterana fervorosa, embora fosse uma mulher culta, exclamou: "Isso é o fim do mundo!". Nem o mundo acabou nem deixaram de acontecer coisas bem mais esquisitas, a me recordar aquele episódio, que na hora achei muito engraçado.
Lembro-me dessa expressão com certa frequência. Por exemplo, quando uma criança de 6 anos serviu de atração num programa de TV, eventualmente chorando de medo, nervosismo ou cansaço. Ninguém interveio logo. Se levassem a um programa desses, semana após semana, um filhote de cachorro para fazer gracinhas, as sociedades protetoras dos animais já estariam reclamando. (Quem cuida dos humanos?) Finalmente, uma promotora impediu a criança de exercer esse "trabalho". Parabéns – e que não haja recurso.
Lembro-me de minha avó espantada quando assisto ao sofrimento de mulheres magras, muito magras, constantemente lutando para perder mais uns gramas, olhos ávidos da eterna dieta, sorriso forçado de automutiladoras. Para alegria de quem sempre foi fora do esquadro, leio (eu já sabia) que alguns já arriscam dizer que se pode ser saudável e feliz com algum sobrepeso. Não precisamos nos odiar, mas ser naturais, ser quem nos fez a mãe natureza. Porém, a nova onda é a gente se torturar, por falta ou excesso: a bunda pequena, o nariz grande, a barriga balofa, os peitos caídos, os bíceps insuficientes (o ralo QI não preocupa tanto). Aí nos matamos de fome, ou ostentamos um novo nariz estranho à estrutura do rosto em que foi metido, damos uma lipinho de presente de 14 anos a nossa filha. Nós mal conseguimos falar, com uma boca ginecológica, nada sensual. Um terço do nosso dia transcorremos suando e sofrendo muito além do recomendado em academias: não para ser saudáveis, mas para estar em forma, enquanto a alma passa uma fome danada e o tempo passa, a vida encolhe, nós nos desperdiçamos perseguindo modelos impossíveis e burros.
Minha avó acharia que o mundo está por acabar diante da confusão entre pessoa pública e propriedade do público: agora o normal é querer que o outro baixe até as calças da alma e mostre as feridas. Algumas chamadas celebridades parecem forçadas a anunciar o que fazem na cama, e com quem. Elas nem são "vistas" na rua, são "flagradas": o seu mero existir já é suspeito.
O mundo vai acabar, diria minha severa avó luterana, vendo que a política se troca por politicagem, o jogo de interesses infinitamente acima do bem do povo, a calúnia como ferramenta geral. Gente atirada como bicho (bicho, não, aí viria a defesa dos animais!) em pseudo-hospitais é fato menos comentado do que mosquitos, que podem trazer febre amarela (por isso pessoas assustadas e ignorantes matam saudáveis bugios no interior). Meu amigo atropelou um simpático tatu e quase pegou cadeia; se matasse uma pessoa, sendo réu primário aguardaria em liberdade. Viva o tatu. Abaixo as pessoas. Também se comenta que moradores de rua e pseudocolonos vão ganhar Bolsa Família. Quem ainda vai querer pegar na enxada ou lavar o chão de uma casinha?
O mais novo anúncio do fim do mundo pode ser a recomendação de fazermos xixi no banho. É questão ambiental? Enquanto for só xixi que nos recomendam, estamos salvos. Sou a favor de um ambientalismo sensato, que harmonize o convívio entre natureza e humanos, não dê mais atenção a baleias do que a crianças e aceite o progresso, fomente a educação e a higiene. A gente passa anos ensinando aos filhos: não façam xixi no banho nem na piscina. Xixi no chuveiro (e na banheira também?), sinto muito: aqui em casa, não.
Nesse cenário de absurdos, às vezes falta o botão para trocar de canal. Mas, se a menininha da televisão puder voltar a ser criança, os bugios da minha mata forem deixados em paz, os gordinhos não se sentirem os últimos da face da Terra, a gente não for multada por fazer xixi no vaso, quem sabe o fim do mundo ainda demore um pouco para chegar.
Lya Luft
Um comentário:
o mundo os olhos de quem o ve no seu tempo !o mundo muda ?ou as pessoas o muda. imagina mais 50anos.vai ter de tudo ou ja estamos no limete?
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